O Kafka era um tenrinho
Parente morre.
Para efeito de habilitação de herdeiros (e cenas afins), cidadão é informado de que, na Conservatória dos Registos Centrais, deve pedir certidão segundo a qual nem o falecido nem a esposa (sem filhos) deixaram testamento.
Cidadão dirige-se à CRC, local onde é informado que, apesar de já ambas as certidões de óbito estarem "no sistema", deverá esperar, pelo menos, dez dias.
Cidadão espera dez dias.
Ao décimo dia, recebe as duas certidões e fica a saber que o recém-falecido, há mais de cinco décadas, terá feito testamento público numa Conservatória Notarial. "Mas, como foram todas privatizadas, não sei se vou poder dizer-lhe qual e onde é agora". Conseguiu.
Na Conservatória modernaça, shock and awe: "Há mais de cinco décadas???!!!... Já não deve estar cá. Deve estar é na Torre do Tombo". Estava na Torre do Tombo.
Torre do Tombo. Três perplexas araras enfrentam o pedido de reprodução do documento como se alguém lhes pedisse que corressem os 100 metros em 5 segundos. A ave mais expedita, por fim, informa que o cidadão, para concretizar o pedido, terá de registar-se no digitarq e aí o fazer. No dia seguinte, receberá mail para autorizar o orçamento e dar seguimento ao pedido.
Um dia, dois dias, três dias, quatro dias.
Ao quarto dia, telefonema para uma quarta arara. Da Torre do Tombo. "Ah... mas não há nenhum pedido registado..." Som e fúria. "Espere que, daqui a dez minutos, já lhe telefono". Impecáveis dez minutos depois: "Sabe, é que o seu pedido foi cancelado porque era necessário ter apresentado a certidão de óbito e não o fez..." Mas (som e fúria), se era precisa, por que motivo não ma pediram? "Ah... estes meus colegas..."
Torre do Tombo, segunda vez. Entrega de certidão de óbito e novo pedido de reprodução.
Dia seguinte. De sistema informático de organismo do Estado para sistema informático de organismo do Estado, a ligação para confirmar o orçamento está ensarilhada.
Corrida até à Torre do Tombo, terceira vez. À beira de se concluir informaticamente a autorização, jovem segurança dirige-se ao cidadão: "Não podia ter subido com a mochila!..." O quê?... É a terceira vez que aqui venho, sempre a trouxe e nunca ninguém me disse tal. "Mas não pode. Tem de a ir deixar lá em baixo!" Nem pensar. Primeiro acabo o que estou a fazer e, depois, saio.
Sem hipótese de pagamento por multibanco no balcão, será preciso fazê-lo por transferência bancária. Mas o IBAN terá de ser copiado à mão. Copia-se.
Presumível chefe da segurança aproxima-se. "Já lhe disseram que não podia ter subido com a mochila!!!..." Pois já. E já respondi que é a terceira vez que o faço e que nunca me informaram que não o poderia fazer. Por isso, já deverá ter compreendido que tem é um problema com os seus serviços. Eu não.
Saída. Caixa de multibanco, na rua, não aceita o IBAN. Haverá que regressar com cash na mão. E sem mochila.
Entretanto, de regresso ao sistema informático de organismo do Estado com bloqueios de comunicação para outro sistema informático de organismo do Estado, nada do que era previsto ser realizado naquela tarde foi possível. O "novo programa" estava com problemas graves.
3 comments:
chama-se karma, not kafka :p (or something :), por conta daquilo de não perceberes (não quereres admitir) que estou absolutamente de acordo contigo na treta da homeopatia e também no valor absoluto que concedo à investigação científica.
ninguém tem, absolutamente ninguém - enquanto ciência e cultura são devastadas a pente fino - com uma única alínea de permeio (já a seguir), e insisto, porra, por te respeitar, o direito a isto:
- o direito de interferência nos últimos tempos de alguém que conhece a sua condenação.
Mas isso nunca esteve em causa!
E até alargo esse inalienável direito à santinha de Fátima, ao bruxo de Fafe e ao Grande Mestre Professor Xikineh.
O que não significa que se leve a sério essas personagens e não se denuncie a fraude.
Shalom.
:-)
السلام عليكم
O que não significa que não me apeteça andar à porrada contigo :)
Post a Comment