À DESCOBERTA
Há, pelo menos, duas canções de Peter Gabriel que, desde que foram gravadas na "stone room" dos Townhouse Studios de Shepherd's Bush, em 1980, não apenas adquiriram o estatuto de clássicos, como – pelas piores razões que um pessimista antropológico explicaria com facilidade – se tornaram, literalmente, intemporais. Quiçá, eternas. Uma é "Not One Of Us", e, nela, de forma violentamente seca, por entre chicotadas de guitarra e percussão implacável, Gabriel canta “It's only water in a stranger's tear, looks are deceptive but distinctions are clear, a foreign body and a foreign mind, never welcome in the land of the blind, you may look like we do, talk like we do, but you know how it is, you're not one of us”. Não se entende por que motivo, hoje, não é banda sonora frequente de noticiários. A outra é "Games Without Frontiers" (“Whistling tunes, we hide in the dunes by the seaside, whistling tunes, we piss on the goons in the jungle, it's a knockout, if looks could kill, they probably will, in games without frontiers, war without tears”), parábola ácida sobre a devastadora territorialidade tribal da espécie, da guerra ao desporto.
Estão ambas no terceiro álbum a solo de Peter Gabriel e, em conjunto com as restantes oito, contribuem para a edificação de um arrepiante políptico de alienação e exclusão (não há personagem de nenhuma canção que, tal como a da faixa de abertura, não seja um “intruso”) que lhe permitiu, por fim, a afirmação de uma personalidade musical claramente distinta daquela que era a sua nos Genesis. Nos dois volumes anteriores, (Car e Scratch, 1977 e 1978, assim designados de acordo com o "artwork" das capas), Gabriel ainda gatinhava estilisticamente no percurso dessa descoberta – mas deu-nos “Solsbury Hill” e “Here Comes The Flood” – e o que viria a seguir, Security (1982), seria um magnífico tiro de partida para a experimentação com "samplers" e a imersão no universo da "world music" que desembocaria, sete anos depois, na fundação da Real World. Os quatro poderão, agora, ser reescutados, numa daquelas operações de mariquice audiófila (isto é, "half-speed remastered" e reeditados em vinil de 180 gramas, no formato de álbuns duplos de 45rpm) através da qual os de muita fé, ao sexto compasso da terceira faixa do lado 2, lograrão ouvir o eco da voz do cantor na cavidade do segundo molar inferior direito.
1 comment:
charles mason ouvia "cenas" no helter e vai de matar,os stones e o seu devil tambem não tiveram sorte,o Peter Gabriel,o Peter Hammill(refugees),idem,aspas...e mais um mito que caí por terra,porque estes musicos,letristas,escritores de canções,nunca foram realmente ouvidos,compreendidos,nada,nepias,zero.la esta,o ouvido humano só ouve ou que ouvir ,ou seja ,a nova droga mundial:os noticiarios,tipo fox news.
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