24 January 2016

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XXVIII)

MÚSICA EM "X" 



Por muitas páginas que já tenham sido escritas acerca de X-Files/Ficheiros Secretos, poucas coisas definem tão bem a atmosfera da série criada por Chris Carter como o curto motivo melódico de seis notas na tonalidade de ré menor que constitui o tema musical do genérico. Autêntico logotipo sonoro que, instantaneamente, estabelece o clima conspirativo e misterioso em que decorre cada episódio, limita­-se, no fundo, a prosseguir uma gloriosa tradição de temas musicais para séries de televisão que contribuíram de forma determinante para lhes estabelecer a identidade. Provavelmente, muito poucos se recordarão da totalidade dos episódios das suas séries favoritas mas, sem dúvida, todas identificarão imediatamente os temas de Lalo Schiffrin para Missão Impossível, de Pete Rugolo para O Fugitivo, de Ted Astley para Robin dos Bosques, de Marty Manning para a Quinta Dimensão ou de Jerry Goldsmith para The Man from U.N.C.L.E.


Mark Snow, o autor do tema dos Ficheiros Secretos, tem "pedigree" académico: aluno ilustre da ilustre Julliard School of Music de Nova lorque, estudou com Itzhack Perlman e Pinchas Zuckerman, apaixonou-se pela música barroca e do Renascimento mas, apesar de oboísta, pianista e percussionista distinto dos cursos da Julliard, rapidamente cedeu à tentação da "baixa cultura" e, com o "room mate" Michael Kamen (outro notável actual da "film music" de Hollywood), fundou o New York Rock'n'Roll Ensemble que, nos anos setenta, se dedicava a combinar a tradição clássica com o rock. A aventura durou cinco anos mas, pouco depois, o universo da televisão acabaria por o atrair irremediavelmente. Responsável pelas bandas sonoras para diversas séries norte-americanas (de que as mais importantes terão sido Cagney and Lacey e Bagdad Cafe), seria, porém, com os X­-Files e Millennium que o seu nome se haveria de impor como referência no pequeno mundo daquelas personagens obrigatórias e indispensáveis quando se trata de estabelecer uma relação imediata entre imagens e sons.


Agora que os Ficheiros Secretos se transferiram do formato televisivo para o grande ecrã, Mark Snow acompanhou também, naturalmente, essa mudança. Mas, talvez mais interessante seja reparar como os Ficheiros — na televisão e no cinema — já deram origem a cinco gravações diferentes. A saber: The Truth and the Light/Music from the X­Files, Songs in the Key of X, The X-­Files/Fight the Future (BSO), The X­-Files: The Album e Extremis. É fácil agrupá-­los. Songs in the Key of X e The X-­Files: The Album contêm a música "from and inspired by the X­-Files". O primeiro, na versão televisiva (com Nick Cave, William Burroughs, Foo Fighters, Elvis Costello, Brian Eno, Soul Coughing ou os R.E.M.), o outro, na actual versão para cinema (com Mike Oldfield, Sting, Bjõrk, X, Noel Gallagher, Dust Brothers, Filter ou, outra vez, os Foo e Soul Coughing). No suporte CD, a comparação pende claramente para o lado da televisão: Songs in the Key of X é nitidamente mais pensado e "trabalhado", as canções do filme são apenas uma colecção de nomes mais ou menos "trendy" que fica bem no retrato mas que, em rigor, têm muito pouco a ver com o espírito dos Ficheiros e, de um modo geral, não são propriamente a "crème de la crème" da música do momento. Poderá ser somente uma questão de fundamentalismo mas, com as aventuras de Scully e Mulder não há outra forma de lidar...


The X-­Files/Fight the Future e The Truth and the Light são as "pièces de resistence" de Mark Snow. E, aqui, convém dizer que ele é consideravelmente mais consistente no pequeno formato televisivo do que no ambicioso fôlego orquestral e sinfónico a que, nestes dois álbuns, se arrisca. Não é Bernard Herrmann quem quer e o duvidoso passado "progressivo" de Snow que, nos dois registos perigosamente ressuscita, não constitui exactamente o melhor cartão de visita. Embora, talvez, ajude a explicar as razões por que Mike Oldfield foi o escolhido para, em The X-­Files: The Album, transformar o famigerado "tema X" nunca coisa chamada "Tubular X"... Se calhar, a peça de colecção que vale mesmo a pena guardar religiosamente é Extremis, o single de Gillian Anderson/Dana Scully com os Hal onde a lendária "unresolved sexual tension" entre ela e Mulder se resolve lateralmente num episódio de sexo virtual com seres alienígenas em registo de surrealismo/sci­-fi/easy listening/electrónico que faz mais pelo engrandecimento do mito do que mil bandas sonoras "oficiais". E que, se não ajuda muito a redescobrir as raízes confessadamente punk de Gillian Anderson, por outro lado, situa bem melhor os Ficheiros e a sua protagonista na região esotérica e alternativa onde se construiu o seu sucesso. (1998) + "The new, six-episode X-Files miniseries, which premières this Sunday, is as weird and spontaneous as the original show"

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