LEVEZA
Na formidável colectânea de histórias de ódio, xenofobia, ficção-científica, violência sanguinária, pornografia e trepidante aventura que é o Antigo Testamento, nunca foi prestada a devida atenção ao facto de, logo a abrir, no Génesis, Adão e Eva terem sido proibidos de comer não uma inocente maçã (apenas a partir do século XIII, na iconografia religiosa europeia, o pecado original foi assim representado) mas sim “o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal”. Isto é, o casal que (após a separação litigiosa de Adão e da primeira mulher, Lilith, devido a desentendimentos acerca da legitimidade da posição coital "girl on top" – ver Alfabeto de ben Sirach, 700/1000 EC) vivia em paradisíaco concubinato, estava contratualmente obrigado a ignorar a moral. Amoralidade essa que, sendo um dos requisitos para não ser expulso do Condomínio Éden, deveria conferir também uma maravilhosa leveza à existência.
No conto de fadas de George MacDonald, The Light Princess (1864), a protagonista lida com problema semelhante: em consequência do feitiço de uma tia malvada, desconhece a gravidade. Tanto a propriamente física – ao menor movimento, flutua no ar – como a que a impede de chorar e ver o lado sério das coisas. No suposto final feliz, é salva pelo proverbial príncipe apaixonado que a devolve às garras da maldição de Newton e, em pleno turbilhão emocional, desaba em pranto - de onde poderá, uma vez mais, concluir-se que a educação moral é, invariavelmente, causa de sarilhos e infelicidade. Já Tori Amos, autora de uma respeitável discografia (de que, no contexto em apreço, deverão destacar-se Abnormally Attracted to Sin, 2009, e a memorável estrofe “So you can make me come, that doesn't make you Jesus”), travou conhecimento com a gravidade da pior maneira, ao estatelar-se na adaptação do conto de MacDonald para o formato "musical". Desesperantemente convencional tanto no plano da composição como – a avaliar pelo que via-YouTube se pode perceber – naquilo que à produção do Royal National Theatre de Londres diz respeito, é peça a lonjura sideral, por exemplo, das colaborações de Lou Reed e Tom Waits com Bob Wilson e irmã quase gémea dos produtos da linha de montagem-Andrew Lloyd Webber. Indiscutivelmente, um pecado. Porém, nada original.
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