PRAZER
Numa entrevista de 29 de Junho passado à revista espanhola “Sonograma”, interrogado acerca dos pontos de vista que defendeu em Retromania (2011), Simon Reynolds reconhece que, desde que escreveu o livro, houve, sem dúvida, maior atenção prestada à “música do futuro” apesar de, mesmo aí, continuar a existir um reflexo condicionado de “reciclagem de velhas ideias (dos anos 70 e 80) acerca do que é ‘futurista’”. E, tomando por exemplo Holly Herndon e o último álbum, Platform, sem deixar de dar a bênção ao conceito de “science-fiction politics” (“Pretendemos desenhar uma política nova. Todo o nosso trabalho explora o ‘extremismo visual’, o que significa que vivemos, espelhamos, digerimos e reflectimos sobre o tempo actual em vez de nos satisfazermos em ser meros figurantes ou, pior, curadores picuinhas de um falso design minimalista. Acreditamos que as ‘science-fiction politics’ necessitam de ‘science-fiction aesthetics’ e que ambas devem caminhar a par”, proclama Metahaven, o colectivo de designers holandeses responsável pelos vídeos de Platform), argumenta que não apenas padecerá do mal de “encarar o futuro como um género” mas também, apesar de “impressionante do ponto de vista composicional e do design sonoro, não estou certo de poder descrever como prazer a sensação que me provoca”.
Não será necessário trazer à conversa as práticas BDSM para densificar um bocadinho o conceito de “prazer”. Basta evocar Metal Machine Music, de Lou Reed, a trilogia Tilt/The Drift/Bish Bosh, de Scott Walker, ou The Litanies Of Satan, de Diamanda Galás, e – rejeitando-os ou aceitando-os – facilmente se compreenderá que proporcionar prazer anda longe de ser missão única e obrigatória da música: não é pouca aquela que se ouve com admiração, espanto, curiosidade intelectual ou quase violação auditiva mais do que com prazer. E, já agora, Simon, por maiores reticências que lhe possamos colocar, há que saudar tudo o que contribua para que a música contemporânea não se assemelhe cada vez mais à Mrs Sheryl C. de que fala Oliver Sacks, em Musicophilia: uma infeliz senhora de 70 anos, praticamente surda, mas que sofria da alucinação auditiva de possuir um jukebox intracraniano que reproduzia interminavelmente as memórias musicais do seu passado.
3 comments:
Ela tem de trabalhar a aparência, uma pipi das meias altas no THX 1138 ainda lembra coisas do passado.
Uma achega
«Do Estado nada podemos esperar também, mas, aqui, por uma outra razão. O Estado não é português, o Estado não é decente, o Estado está, desde 1820, na posse de homens cuja obra é a essência da traição e da falência. Procurar o auxílio do Estado é tão absurdo como procurar influenciar os homens que o possuem. Não há neles uma centelha de boa vontade patriótica, nem de lucidez portuguesa. Vivem daquilo e nem vivem elegantemente. O esforço revolucionário para os deitar abaixo é um gasto espúrio de energia. Quem é que se lhes vai seguir? Não há em Portugal nenhum grupo ou partido, nenhuma reunião de homens duradoura ou ocasional capaz de gerir o país. O que há é péssimo, mas é o que há. Sidónio Pais era Sidónio Pais, e a sua regência foi célebre pela imoralidade, pela profusão de apadrinhamentos, pela prolixa desvergonha dos negócios escuros e nos crimes políticos. Quando esse homem, que tinha as qualidades místicas do chefe de nação, que tinha as qualidades de astúcia precisas para manejar os homens, e as energias para os compelir, não pôde, honesto como era, romper com a cercadura de ladrões que tinha, não pôde, leal como era, evitar estar cercado por traidores e bandidos, não pôde, nobre na coragem como era, evitar ser rodeado de assassinos e trauliteiros - que espécie de homem esperamos nós que virá, que faça a obra da regeneração?
(...)
Que ideias gerais temos? As que vamos buscar ao estrangeiro. Nem as vamos buscar aos movimentos filosóficos profundos do estrangeiro; vamos buscá-las à superfície, ao jornalismo de ideias.»
- Fernando Pessoa, "Sobre Portugal"
O apreço pelo Sidónio não foi o momento mais feliz do Pessoa. A época era a época que era mas...
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