28 May 2015

NEO-PRIMITIVISMO 


É bem possível que tenha falhado desastradamente o alvo quando, há semanas, procurando explicar o pequeno milagre que é Bashed Out, dos This Is The Kit, escrevi “realmente decisivo foi o apadrinhamento de Aaron Dessner, dos National, na qualidade de produtor”. É verdade que, com a sua própria banda e também com Sharon Van Etten, Dessner poderá reivindicar uma boa mão cheia de medalhas, mas o mesmo não poderá dizer-se dos feitos junto dos Local Natives, Luluc, Lone Bellow ou, mais recentemente, acerca da colaboração com os precocemente normalizados Mumford & Sons. Acontece, entretanto, que dados novos obrigam, agora, a encarar sob outra perspectiva o caso TITK. A saber, Friend, de Rozi Plain, também cantora e baixista nos TITK, de Kate Stables, e, como ela, natural de Winchester. A lógica do "small circle of friends" predomina – em Friend, participam Stables, Jamie Whitby-Coles (TITK), Amaury Ranger, Gérard Black (François & The Atlas Mountains), a harpista/"songwriter" Serafina Steer (autora do óptimo The Moths Are Real, de 2013, produzido por Jarvis Cocker) e o Hot Chip, Alexis Taylor, tudo gente-lá-de-casa – e é dela que, natural e algo artesanalmente, resulta um álbum que poderia, facilmente, escutar-se como indispensável "companion piece" de Bashed Out... sem nenhuma necessidade de intervenção dessneriana. 



Subtilíssimo manifesto de uma espécie de neo-primitivismo sofisticado que abre com as palavras “It will be reported to be a difficult year, a tumultuous year” entoadas sobre uma dissimulada alusão ao ostinato de "Tom’s Diner", faz pensar muito no que poderia surgir de uma ideia – só uma ideia – do que restaria da essência da folk se fosse possível traduzi-la para o tipo de psicadelismo pastoral a que só os Young Marble Giants poderiam dedicar-se. Isso ou, então, uma variação aquática e "naïve" sobre a destilação do "krautrock" operada pelos Stereolab, mas com a suavemente alucinada Clare Grogan, dos Altered Images, no lugar de Laetitia Sadier. Não excluindo, evidentemente, a hipótese de se tratar, aqui e ali, de uma visão-Playmobil do "afrobeat" tal como David Byrne e Brian Eno o escutaram e uma orquestra de robots infantis o interpretaria: “struggling to leave from a place you don’t know how to be in”.

3 comments:

alexandra g. said...

"É bem possível que tenha falhado desastradamente o alvo quando, há semanas, procurando explicar (...)”.

Tu nunca falhas o alvo, muito menos desastradamente, que és um tipo charmoso. Tu poderias, aliás, tornar-te ministro de Como Não Falhar Desastradamente O Alvo, disciplina que deveria ser obrigatória no Governo. Por exemplo, claro :)

João Lisboa said...

"poderias, aliás, tornar-te ministro de Como Não Falhar Desastradamente O Alvo"

Uma maldição por dia, sei bem o mal que me faz(ia).

:-)

alexandra g. said...

Espera aí que vou ali roubar-te outra leitura :)