MEMÓRIA FERIDA
Em Setembro de 2009, o City Council de Brisbane, na Austrália, propôs a realização de uma votação online para decidir qual o nome que haveria de ser atribuído a uma nova ponte sobre o rio Brisbane, até aí, conhecida como Hale Street Link. Com mais do dobro dos votos do segundo classificado numa "shortlist" de 11 candidatos, os vencedores foram os Go-Betweens, a lendária e sempre insuficientemente amada banda de Grant McLennan e Robert Forster – por essa altura, já inexistente, após a morte de McLennan, três anos antes. A devoção dos habitantes de Brisbane bem poderia, contudo, estender-se a outros nativos da cidade, os Apartments, de Peter Milton Walsh, também, por coincidência, membro fugaz da primeira formação dos Go-Betweens.
Até porque o povo melómano da Austrália tem para com ele uma enorme dívida: não só o magnífico primeiro álbum da banda (The Evening Visits... And Stays For Years, 1985, reeditado, agora, pela nova-iorquina Captured Tracks) não foi sequer publicado no seu país, como a posterior e errática trajectória foi, essencialmente, suportada pelo reduzido mas fidelíssimo núcleo de seguidores europeus (particularmente, franceses) e, em menor grau, norte-americanos, o que ajuda a compreender o motivo porque o actual No Song No Spell No Madrigal, sucessor de Apart (1997) e sexta gravação em 30 anos, surge por via da gaulesa Microcultures. Ainda que fechasse amanhã as portas e não pusesse no mundo nem mais um só disco, valeria a pena ter existido apenas por este: obra de "songwriter" literato capaz de incluir na lista de favoritos John Cassavettes, Jacques Tourneur, James Salter, Jacques Brel, Peter Bogdanovich ou – pedra de toque! – Malcolm Lowry, mas que facilmente confessa ter sonhado ser um dos Walker Brothers, No Song No Spell No Madrigal respira a impuríssima atmosfera do melhor "film noir" traduzida para as páginas de um diário irremediavelmente ferido pela memória do filho, Riley, morto aos três anos (“I carried you on my hip, at first, I carried you on my shoulders, I carried you to a long black car, you will never get any older”). Numa espécie de impossível bissectriz entre os Blue Nile e os Go-Betweens de Liberty Belle, infindavelmente “looking for some other town where the steps go up instead of down”.
7 comments:
Para ponte, Go-Betweens é um nome bem ficholas
Gostei muito dos Apartments, vou ver se encontro o álbum...
É muito bom. E todos os anteriores também.
E chamar a uma ponte apartamento seria ainda melhor.
Não tinha de ser uma ponte. Podiam até ir para o pantelhão lá do sítio.
http://lishbuna.blogspot.pt/search?q=pantelh%C3%A3o
Amanda Brown nas cordas... Tudo nos leva para lá.
Os The Apartments são uma óptima banda mas completamente esquecida ou perdida cá por este lados, tal como foram por exemplo os sublimes Triffids. Um dia veio parar-me à mão um álbum "A Life Full Of Farewells" e a partir daí foi apanhar tudo o que havia na amazon... Estou aqui a pensar como ficavam bem no Outono na Aula Magna (ou se calhar para começar no Lux ou Santiago Alquimista) e por acaso sei que o Sr Walsh até nem se importava de vir tocar à "cidade branca"...se algum promotor estiver a ler isto...
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