15 April 2015

BRAVA ELEGÂNCIA


Um dia destes, ainda teremos de prestar a devida homenagem a Sir Charles William Somerset Marling, 5º baronete de Marling: se já lhe devíamos o facto de ter sido ele, mal a filha, Laura, tinha completado 6 anos, a ensinar-lhe o essencial da técnica da guitarra acústica na bucólica atmosfera de Eversley, no Hampshire, agora, caso os tempos fossem outros, poderia ser considerado responsável por um novo momento-Dylan-Judas. Sim, a Laura dos vários Petrarcas da suposta "nu folk scene" londrina de há pouco menos de dez anos, (ou)viu a luz de uma guitarra eléctrica e a culpa disso deverá ser atribuída, outra vez, a Sir Charles que entendeu oferecer-lhe uma Gibson 335 vermelha, neta eventual da Lucille, de BB King. Na realidade, nem a "nu folk" era fundamentalistamente folk (ou, sequer, especialmente folk...) nem poderá dizer-se que Short Movie determine algum tipo de corte radical com a discografia anterior de Laura Marling.



Tudo decorreu, afinal, de, após a publicação de Once I Was An Eagle (2013), Dame Laura, Btss, aos 23 anos, ter atravessado uma precocíssima "midlife crisis" que a conduziu a vaguear pelos EUA, conviver com criaturas perigosamente hippie/new age, sobreviver ao temível Hurricane Sandy, em Nova Iorque, e – tal como já acontecera com Annie Clarck/St. Vincent no último álbum – a desenvolver um preocupante interesse pela obra do cineasta/guru chileno, Alejandro Jodorowsky. Adicione-se a este último ingrediente o do potencialmente explosivo George Gurdjieff, gabiru místico/esotérico da primeira metade do século passado, e teremos "Gurdjieff's Daughter", lista de recomendações do género “Never give orders, just to be obeyed” que, soando a um improvável encontro de Suzanne Vega com os Dire Straits... é surpreendentemente boa. Bem mais electricamente cortantes são "False Hope", "Don’t Let Me Bring You Down" e "Short Movie" – aqui e ali, recordando a PJ Harvey menos recente – mas, em tudo o que sobra, nunca se afasta demasiado da belíssima matriz da Marling descendente (desejavelmente) oblíqua de Joni Mitchell, em moldura folk/bluesy, na qual palavras como “I can’t be your horse anymore, you’re not the warrior I’ve been looking for” assentam com a brava elegância de uma declaração de guerra.

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