O OUTRO LYNCH
A linha que separa a genialidade alucinadamente surrealista da idiotia pura e simples é extraordinariamente fina, dando-se o caso, de, por vezes, ambas coexistirem na mesma personalidade. Particularizando, poderá dizer-se que, embora longe de ser um ponto de vista consensual, o David Lynch de Blue Velvet, Wild At Heart, Twin Peaks ou Mulholland Drive cai na categoria daqueles autores que, exigindo o desmantelamento de todos os códigos interpretativos convencionais e obrigando-nos a participar do seu "stream of (sub)consciousness" narrativo – com os riscos de contaminação pela peçonha freudiana, naturalmente, incluídos –, dificilmente não encontrará um lugar de relevo nas histórias do cinema que, no final deste século, continuarem a ser publicadas.
Outro exemplo de manual da estética literalista (real. Manoel de Oliveira)
Já o mesmo, decerto, não acontecerá com o “outro Lynch”, aquele que, tendo frequentado, em 2003, um "Millionaire's Enlightenment Course" do farsante Maharishi Mahesh Yogi (inscrição de 1 milhão de dólares que a espiritualidade faz-se pagar cara), não só não aprendeu com a experiência que, quase quatro décadas antes, John Lennon revelou em "Sexy Sadie" (na versão original: “Maharishi what have you done? You made a fool of everyone”) como se converteu em paladino da “meditação transcendental”, fundou, em 2005, a David Lynch Foundation For Consciousness-Based Education and World Peace (em menos palavras: “eduquês” hippie-new age) e publicou o manual de – pausa, respirar fundo – “auto-ajuda”, Catching the Big Fish: Meditation, Consciousness, and Creativity. Por isso, descobri-lo lado a lado com os Duran Duran (bonecos animados para consumo de adolescentes de 80, actuais cinquentões fazendo render, penosamente, a nostalgia), para filmar um concerto de 2011, já não será, exactamente, surpreendente. Mas, ao ouvi-lo anunciar, na abertura de Unstaged, que “isto será uma combinação espontânea de imagens e música” em que “happy accidents” ocorrerão, apetece dar o benefício da dúvida. Em vão. Exercício de máxima redundância audiovisual (em "Hungry Like The Wolf", a imagem de um lobo, em "Planet Earth", a da Terra, em "Girls On Film", as de... err... girls on film), possui um único mérito: inventar um novo sentido para a palavra “literalidade”.
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