O ASSOMBRO E O PÂNICO
“Vivemos numa era pós-moderna em que é extraordinariamente difícil inventar coisas fundamentalmente novas. Tudo explodiu lá atrás – John Cage destruiu um piano e Jimi Hendrix lançou fogo à guitarra muito antes de a Annie ter nascido. Há sempre alguém capaz de tocar mais rápido, mais forte, com mais distorção. Só nos resta mergulhar em nós mesmos, descobrir quem somos, apenas nisso será possível acreditar”, dizia, há cerca de um ano, à “Pitchfork”, Tucker Andress, virtuoso e quase anónimo guitarrista, acerca da sobrinha, Annie Clark/St. Vincent. Há-de ter sido por via equivalente, embora completamente distinta, que caminharam os outros dois nomes que começam a desocultar os contornos do mundo audiovisual (e do imenso outro) ainda por nascer: Arca/Alejandro Ghersi e Jesse Kanda. Não é, de modo algum, um acaso que o magnífico LP1 (e anteriores EP) de FKA twigs tenham fortíssima marca de ambos e que, Björk, essa outra impenitente "shapeshifter", haja recrutado Ghersi na qualidade de co-produtor do próximo opus (enquanto Kanda sonha em voz alta com a hipótese de se ocupar dos vídeos).
É, na verdade, de um vertiginoso mergulho interior que se trata nos sons e nas imagens de "Thievery" (algo como a insolente coreografia de uma robótica strip dancer, andrógina e esteatopígica, descendente bastarda da Vénus de Willendorf e do "Rubber Johnny" de Chris Cunningham e Aphex Twin), "Now You Know" ("city ghosts" projectados sobre uma aurora boreal nos céus de Saturno), no abstraccionismo entomológico de "Held Apart" – todos de Xen, alter-ego compulsivo e título do álbum de estreia de Arca –, nos desfigurados e infernais bebés e no pesadelo oro-faríngeo de “Trauma 1 & 2”, ou na liquefacção da anatomia humana de "Fluid Silhouettes", gémea de "Water Me" e "How’s That", de twigs. Espécie de colisão suave entre antiquíssimo romantismo radicalmente digital e projecto científico orientado para a identificação dos processos pelos quais, do infinitamente grande ao invisível plano sub atómico, o assombro e o pânico se instalam, há nesta enorme estranheza de um Eraserhead que tivesse sido filmado por Kubrick segundos depois de ter devorado Cronenberg, muito mais do que os 2263 caracteres deste texto seriam capazes de começar sequer a descrever.
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