28 October 2014

SCOTT O)))

  
Em Dezembro de 2012, David Peschek, de “The Quietus”, a propósito da publicação de Bish Bosch, tentava explicar a transfiguração de Scott Walker desde os tempos dos Walker Brothers até à actualidade dizendo que seria algo semelhante a um dos miúdos dos One Direction converter-se numa combinação de John Zorn, Diamanda Galás, Ligeti e Sunn O))). No mesmo número, em conversa com Walker, John Doran confidenciava-lhe que o álbum – em imagem que o próprio reconhecia como não muito feliz – o fazia pensar numa orquestra de zombies assassinando-se com os instrumentos, escutada por um público igualmente composto por zombies que, em vez de gritar “Brains! Brains!”, urrava “Brahms! Brahms!” Scott terá soltado uma rara gargalhada e respondido: “Obrigado. Acabou de compor o meu álbum seguinte”. Poucas vezes uma publicação terá sido tão profética. Soused, acabado de editar, é uma gravação a meias com os Sunn O))) – os espectros de Zorn, Galás e Ligeti nunca foram parentes demasiado afastados do Scott Walker que saiu da crisálida com Tilt (1995) e, em The Drift (2006) e Bish Bosch, completou a metamorfose numa aterradora borboleta nocturna – e, se a comparação de Doran era, talvez, excessivamente gráfica, a verdade é que essa atmosfera crepuscular de assombração sempre foi o habitat natural de Walker. 



Aparentemente predestinados para, um dia, se cruzarem, a voz e os demónios de Scott e as guitarras de Stephen O'Malley e Greg Anderson (herdeiros de Rhys Chatham e Glenn Branca numa variante glacial da estética do "drone" sonoro que os inventores de etiquetas classificam – entre outros rótulos "prêt-à-porter" – como "heady metal") coabitam da forma mais desejavelmente desconfortável, entregues à edificação de desmedidos painéis de um pavor quase táctil, imensas catedrais de cinzas habitadas por uma multidão de clones do coronel Kurtz, trasladado dos fotogramas de Coppola e condenado para toda a eternidade a viver “the horror... the horror”. Não por acaso, a primeira das cinco longas faixas tem o título de "Brando" e, nela, Scott Walker, qual penitente de missa negra S&M, uiva “A beating would do me a world of good”. Uma maré alta do mais puríssimo mal ameaça transbordar e não é aqui que encontrará algum obstáculo.

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