22 July 2014

AJOELHAR 


Olha-se para ele e não se imagina: aquele arzinho inocente de alt.intelectual tímido que, fora do âmbito artístico, não parte um prato, o discreto ecomilitante da bicicleta como meio de transporte urbano ideal... Mas a verdade é que foi ele, David Byrne, quem, em 1992, para Uh-Oh, escreveu “Seems like everywhere I go, seems like everything I do, seems like everything I dream about, seems like everywhere I look, I got girls, girls on my mind, I think about them mostly all the time”. E, para que não restassem dúvidas, reforçava: “I got girls, girls, girls, girls, girls, girls in my mind, every little girl stays in my mind, I remember 'em all, they're all in my mind, long, short an' tall”. Não ousando, nem com pinças, vasculhar a lixeira da imprensa "del corazón", nem recuando demasiado, pode, no entanto, anotar-se como, em Here Lies Love – o musical sobre Imelda Marcos, de 2010 –, se fez rodear de uma numerosa brigada feminina de cantoras, o modo expedito que achou para, mal ela surgiu, não deixar, sequer, Annie Clark/St. Vincent pousar as malas para entrar com ela em estúdio e gravar Love This Giant (2012) e, agora, o subtil exercício de charme através do qual, ultrapassando outros devotos do peso de Nick Cave ou Brian Eno, logrou, em duas faixas, juntar a sua voz à de Anna Calvi, no EP de versões, Strange Weather, que esta acaba de publicar: ele apenas sugeriu o tema-título, de Keren Ann, e, de imediato, Calvi convidou-o a partilhar esse e "I’m The Man That Will Find You", de Connan Mockasin. 



Fica bem no CV de ambos mas é preciso afirmar que, sendo estas cinco interpretações indiscutivelmente extraordinárias, a quase totalidade do mérito deve ser atribuída a Anna Calvi. Se "Papi Pacify", de FKA twigs, era uma húmida miragem narco-erótica de trip hop reinventado, Calvi chega-lhe o fogo das seis cordas em brasa; "Lady Grinning Soul" despe-se-se dos excessos ibero-românticos do Bowie de Alladin Sane e renasce em jogos de água impressionistas; ofegante e esquartejada a sangue frio, "Ghost Rider", relega, (injustamente) o original dos Suicide para o lugar de mera maqueta; e Keren Ann e Mockasin (sobretudo este) ficam obrigados a ajoelhar perante Calvi e demonstrar-lhe infinita gratidão por os ter, improvavelmente, eternizado. Byrne poderá sempre dizer que estava lá.

2 comments:

alexandra g. said...

É coisa para semanas... meses...

:)

Anonymous said...

Dá-me a impressão que o David Byrne é mais é platónico...