28 May 2014

THIS COULD BE THE LAST TIME 



Antes de tudo o que, a seguir, virá: nunca esquecer que, quando, em 1961, Mick Jagger e Keith Richards se mudaram de Dartford para Chelsea, em Londres, e aí conheceram Brian Jones, este e Richards começaram imediatamente a planear a formação de uma banda de rhythm’n’blues mas Jagger, pondo a render os seus sete O-levels e três A-levels, tratou de inscrever-se na London School Of Economics que frequentaria até 1963. Sublinhar “Economics”. Louvem-se, então, os benefícios que uma boa educação universitária pode proporcionar, constatando como, na lista das 20 mais lucrativas tournées de sempre, os Stones inscrevem quatro presenças: “A Bigger Bang Tour” (558 milhões de dólares, 2005 / 2007, em 2º lugar – apenas atrás do “U2 360º Tour” –, e a maior digressão norte-americana alguma vez realizada); “Voodoo Lounge Tour” (320 milhões, 1994 / 1995, 10º lugar); “Licks Tour” (311 milhões, 2002 /2003, 11º lugar); e “Bridges To Babylon Tour” (274 milhões, 1997 / 1998, 14º lugar). Destacadamente à frente de Bruce Springsteen, Madonna e U2 que se quedam, cada um, com duas entradas. 


Insistindo nos números astronómicos – vendas de discos, assistências record, dimensões de palco, parafernália de adereços e maquinaria, consumo de fármacos capaz de abastecer um hospital de grande dimensão –, poderia continuar a traçar-se uma biografia estatística paralela dos Rolling Stones. Porém, ficando só por aqui, deverá ser bastante para justificar por que motivos se tornou inevitável ouvir chamar-lhes “a maior banda de rock’n’roll de todos tempos”: aqueles que, em início de carreira, eram publicamente apresentados na qualidade de “pervertidos, ofensivos, violentos, repulsivos, feios, sem gosto, incoerentes, e isso é o que têm de bom” e sobre quem se lançava a insidiosa maldição “deixaria, alguma vez, a sua filha casar com um Rolling Stone?...”, terão excedido gostosa e largamente os traços negativos desse perfil mas isso não os impediu de se transformarem no género de gestores de negócios que poderiam dar "masterclasses" a quem se ocupa de maximizar lucros (não fazendo grande questão de reduzir despesas).



Razão adicional para vir a constituir-se em "case study", é o facto de a administração bicéfala da empresa – Jagger/Richards – atribuir pouca ou nenhuma importância ao chamado “bom ambiente de trabalho”. Sim, é verdade que tudo começou como vem descrito nos contos de fadas pop (a história dos dois miúdos ex-colegas da primária que se reencontram, anos mais tarde, já adolescentes, numa estação de comboios, com álbuns de Chuck Berry e Muddy Waters debaixo do braço), mas também será útil saber que, desde há cerca de quarenta anos, as relações entre ambos azedaram seriamente e, pelo menos, há vinte, nenhum ousa entrar no camarim do outro. Um dos pontos de não retorno aconteceu a meio da década de 80: Mick Jagger regista o primeiro álbum a solo (She’s The Boss, 1985) enquanto, em Paris, com sessões de gravação cuidadosamente planificadas para que nunca ambos se cruzassem, Keith Richards se ocupa praticamente sozinho do que viria a ser Dirty Work (1986). Sentindo-se traído, chega a colocar a hipótese de convidar Roger Daltrey, dos Who, para substituir Jagger. A usurpação da coroa não teria lugar mas, de entre as 27 canções que Richards leva para estúdio, várias (nenhuma seria publicada) ostentam títulos como “Fight”, “Had It With You” e “Knock Your Teeth Out”.



O pior de tudo: nada disto são intrigas de jornalismo de sarjeta, foi o próprio Keith Richards que o revelou na autobiografia Life, publicada há quatro anos (meses antes, recusara-se a aparecer no festival de Cannes por ocasião da apresentação de Stones In Exile – um documentário de Stephen Kijak sobre a gravação de Exile On Main St. – por entender que este prestava desproporcionada atenção a Jagger), espécie de ajuste de contas com o passado, na qual tece considerações acerca do insuficiente calibre de determinadas zonas anatómicas de Mick Jagger (a quem tratava, amavelmente, por “Brenda”, “Miss Jagger”, “Queen Mother” e “Her Ladyship”), revela detalhes sobre a variabilíssima geometria do quadrilátero formado por ambos, Marianne Faithfull e Anita Pallenberg, e desabafa, confessando que “viver com Jagger era como ser obrigado a cuidar de um periquito irritante”.


Não surpreende, assim, que a digressão “50 & Counting...“, de 2012 / 2013 (87.7 milhões, 18 concertos), destinada a comemorar o 50º aniversário da banda, tenha sido menos uma amistosa confraternização de antigos combatentes do que o resultado de uma frenética coreografia de reuniões entre advogados e managers assoberbados com uma missão de complexidade equiparável à de uma cimeira política no Médio Oriente. O que, naturalmente, coloca também um gigantesco ponto de interrogação sobre o seu prolongamento deste ano (a denominada “14 On Fire”, iniciada a 21 de Fevereiro em Abu Dhabi e com final previsto para 22 de Novembro, em Auckland, na Nova Zelândia): será esta a última vez que os Rolling Stones pisarão um palco?



Nada menos provável. Ao contrário de algumas pérfidas más-línguas que qualificam os actuais concertos dos Rolling Stones como “a noite dos mortos-vivos”, a capacidade para activar a velha máquina mantêm-se intacta e a empresa não perdeu o apetite pelo lucro. Mick Jagger afirma que já só pensa em “sequências de 20 concertos de cada vez” e sabe melhor do que ninguém que, embora a banda, desde há muito, tenha desistido da ambição de publicar música nova à altura dos seus clássicos, por esta altura – mesmo para grupos da dimensão dos Stones –, o pote de ouro já não se encontra no topo das tabelas de vendas. Muito mais valioso é ter sempre à mão um reportório pronto-a-usar, um stock de imagens, memórias, tiques e reflexos condicionados que, com um estalar de dedos, por maior uso que já lhe tenha sido dado, continua a produzir efeito e a encher estádios e arenas. E deixar pairar a dúvida acerca de quando chegará o fim – e a certeza de que ele, irremediavelmente, chegará não é o menor dos trunfos – será, paradoxalmente, o melhor seguro de vida: haverá sempre uma interminável multidão ávida de poder contar que “estava lá” no dia em que, depois de Elvis, depois dos Beatles, Hendrix e Cobain, real ou metaforicamente, uma vez mais, “the music died”.



Até porque a outra omnipresente estatística que nos informa encontrarem-se já todos para lá da fasquia dos 70 anos (à excepção do garoto Ronnie Wood, à beira dos 67) ainda não parece demasiado próximo de vir a ser, verdadeiramente, um obstáculo. Em Setembro passado, no “Financial Times”, Gillian Tett (editora adjunta e analista financeira, uma miudinha de 47 anos), lançando o anzol para outros mares, tomava-os como pretexto, a propósito de um concerto da tournée “50 & Counting...“ a que assistira. Após babar-se perante “o extraordinário atleticismo e magnetismo sexual” do “sobrenatural Jagger, de jeans pretos justos”, Tett interrogava-se: “Ter à frente um grupo de homens nas sétima e oitava décadas de vida, com uma média de idades aparentemente mais elevada do que a dos juízes do Supremo Tribunal norte-americano (...) e, nos EUA e na Europa, tecnicamente, na idade da reforma, a abanar o rabo e rockando furiosamente, dá que pensar: se ‘pensionistas’ são capazes de dançar assim tão freneticamente em palco, durante horas, não será altura para repensar todo o conceito de reforma?” E, vendo bem, se nos recordarmos que eles se forjaram no molde dos velhos bluesmen, basta pormos os olhos em John Lee Hooker que tocou até aos 83, em B.B. King que está a um passo dos 90 mas ainda não levantou os dedos das seis cordas da inseparável Lucille ou em Chuck Berry que, aos 88, continua por aí...

3 comments:

Anonymous said...

então bom concerto :)

João Lisboa said...

Rock In Rio?... Nunca na vida!

Nuno Gonçalves said...

Para mim, Rolling Stones ao vivo, é ser adolescente no início dos anos 80 e ouvir a cassete do Still Life vezes sem conta no meu quarto. Como dizia uma das canções, "just my imagination..."