GULAG
A 23 de Setembro passado, na colónia penal nº 14 da Mordóvia – acerca da qual, na
Rússia, se diz, com terror, que “quem nunca cumpriu ali pena, simplesmente não
cumpriu pena” –, Nadezhda Tolokonnikova entrou em greve de fome. “É um método
extremo mas é a única forma de sair da situação em que me encontro”, declarava numa
carta publicada pelo “Guardian” em que denunciava a selvajaria no tratamento infligido
às mulheres ali detidas: “O trabalho forçado ocupa dois terços das horas do dia, o
repouso é de quatro horas por noite e o dia de descanso apenas acontece uma vez em
cada mês e meio. As mulheres são espancadas por tudo e por nada, têm medo das
próprias sombras”. E explicava que os maus tratos são “um método conveniente para
forçar as prisioneiras à submissão total perante os sistemáticos abusos de direitos
humanos. As condições de vida e de higiene do campo são calculadas para se sentirem como animais imundos e sem direitos”. Para lá transferida no
cumprimento de uma pena de dois anos após o julgamento-farsa das Pussy Riot por um
tribunal de Moscovo, em Agosto de 2012, Tolokonnikova recorda o acolhimento por
parte do chefe-adjunto da cadeia, tenente-coronel Kupriyanov: “Deverá saber que, no
que diz respeito à política, sou um estalinista”. “Por isso”, concluía, “inicio esta greve
de fome e recuso participar no trabalho escravo na colónia. E assim me manterei até ao
dia em que a administração decida cumprir a lei e pare de tratar as prisioneiras como
gado”.
No dia seguinte, seria transferida para uma cela de isolamento e, uma semana depois,
internada no hospital da prisão, tendo suspendido a greve quatro dias mais tarde.
Protesto idêntico realizara, em Maio, a outra detida, Maria Alekhina, após ter sido
impedida de participar na audiência judicial que avaliava um pedido de liberdade
condicional, rejeitado devido a ela “não ter demonstrado arrependimento pelos seus
crimes”. É sobre toda a trajectória que decorreu desde a performance das Pussy Riot, a
21 de Fevereiro do ano passado numa catedral de Moscovo, suplicando à Virgem que
livrasse a Rússia de Putin – o mesmo Putin que, no início deste mês, um grupo de
personalidades russas propunha para prémio Nobel da Paz – até ao final do julgamento,
que se debruça Pussy Riot – A Punk Prayer, o documentário de Mike Lerner e Maxim
Pozdorovkin, que a 25 e 29 de Outubro, o Doclisboa’13 exibirá na Culturgest e no
cinema S. Jorge. Confessadamente fascinados pelo que qualificam como “uma das mais
controversas performances artísticas de todos os tempos que logrou tocar no nervo
sensível das relações entre Igreja e Estado e dirigir as atenções para a forma repressiva e
corrupta como funciona o sistema judicial russo”, acompanharam durante seis meses
todo o processo, entrevistaram familiares, apoiantes e opositores e, mais importante,
estiveram presentes durante as sessões do julgamento, registando o violento confronto
verbal de Nadia, Masha e Katia com as forças policiais, políticas e judiciais. Quanto a
Tolokonnikova, tudo permanece transparente: “A minha vida não vai mudar. Os
vectores da política e da arte continuarão a ser os mesmos”.
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