24 October 2013

GULAG
 


A 23 de Setembro passado, na colónia penal nº 14 da Mordóvia – acerca da qual, na Rússia, se diz, com terror, que “quem nunca cumpriu ali pena, simplesmente não cumpriu pena” –, Nadezhda Tolokonnikova entrou em greve de fome. “É um método extremo mas é a única forma de sair da situação em que me encontro”, declarava numa carta publicada pelo “Guardian” em que denunciava a selvajaria no tratamento infligido às mulheres ali detidas: “O trabalho forçado ocupa dois terços das horas do dia, o repouso é de quatro horas por noite e o dia de descanso apenas acontece uma vez em cada mês e meio. As mulheres são espancadas por tudo e por nada, têm medo das próprias sombras”. E explicava que os maus tratos são “um método conveniente para forçar as prisioneiras à submissão total perante os sistemáticos abusos de direitos humanos. As condições de vida e de higiene do campo são calculadas para se sentirem como animais imundos e sem direitos”. Para lá transferida no cumprimento de uma pena de dois anos após o julgamento-farsa das Pussy Riot por um tribunal de Moscovo, em Agosto de 2012, Tolokonnikova recorda o acolhimento por parte do chefe-adjunto da cadeia, tenente-coronel Kupriyanov: “Deverá saber que, no que diz respeito à política, sou um estalinista”. “Por isso”, concluía, “inicio esta greve de fome e recuso participar no trabalho escravo na colónia. E assim me manterei até ao dia em que a administração decida cumprir a lei e pare de tratar as prisioneiras como gado”.



No dia seguinte, seria transferida para uma cela de isolamento e, uma semana depois, internada no hospital da prisão, tendo suspendido a greve quatro dias mais tarde. Protesto idêntico realizara, em Maio, a outra detida, Maria Alekhina, após ter sido impedida de participar na audiência judicial que avaliava um pedido de liberdade condicional, rejeitado devido a ela “não ter demonstrado arrependimento pelos seus crimes”. É sobre toda a trajectória que decorreu desde a performance das Pussy Riot, a 21 de Fevereiro do ano passado numa catedral de Moscovo, suplicando à Virgem que livrasse a Rússia de Putin – o mesmo Putin que, no início deste mês, um grupo de personalidades russas propunha para prémio Nobel da Paz – até ao final do julgamento, que se debruça Pussy Riot – A Punk Prayer, o documentário de Mike Lerner e Maxim Pozdorovkin, que a 25 e 29 de Outubro, o Doclisboa’13 exibirá na Culturgest e no cinema S. Jorge. Confessadamente fascinados pelo que qualificam como “uma das mais controversas performances artísticas de todos os tempos que logrou tocar no nervo sensível das relações entre Igreja e Estado e dirigir as atenções para a forma repressiva e corrupta como funciona o sistema judicial russo”, acompanharam durante seis meses todo o processo, entrevistaram familiares, apoiantes e opositores e, mais importante, estiveram presentes durante as sessões do julgamento, registando o violento confronto verbal de Nadia, Masha e Katia com as forças policiais, políticas e judiciais. Quanto a Tolokonnikova, tudo permanece transparente: “A minha vida não vai mudar. Os vectores da política e da arte continuarão a ser os mesmos”.

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