VIDA E MORTE DE DEUS
É verdade: deus teve a sua própria banda de
rock e esta chamava-se Ya Ho Wha 13. Mas deus viveu a maior parte da sua vida
antes de descobrir que era deus. Começou por chamar-se James Edward Baker,
nascido em 1922, no Ohio. Aparentemente, aos 12 anos, terá sido aclamado como
“o rapaz mais forte dos EUA” e, daí em diante, olhando da altura de um metro e
noventa e três, foi fuzileiro das forças-armadas americanas condecorado por
bravura em combate durante a Segunda Guerra Mundial, abandonou a primeira
esposa terrestre e viajou de moto até Hollywood para se candidatar (sem êxito)
ao papel de Tarzan, supostamente em legítima defesa, terá feito uso da sua
condição de mestre de judo para enviar para outra dimensão dois indivíduos que
o aborreceram, e, num processo consagrado de acumulação primitiva de capital,
assaltou uma dezena de bancos o que lhe permitiu iniciar uma próspera carreira
no ramo da restauração. O maior sucesso surgiria, no entanto, com a abertura de
“The Source”, no Sunset Strip de Los Angeles, em 1969, um dos primeiros
restaurantes vegetarianos a cair nas boas graças da "beautiful people" local: Joni Mitchell, John Lennon, Marlon Brando,
Warren Beatty, Steve McQueen e tutti
quanti eram clientes regulares e até Alvy Singer/Woody Allen, em Annie
Hall, sentado na esplanada, relutantemente pede uma salada de rebentos de alfalfa
com puré de levedura.
É precisamente a partir de “The Source” e do seu staff voluntário de belas e belos jovens
hippies que o então quase-deus-Baker constitui e financia a sua comuna
alternativa que chegaria à centena e meia de membros. Alimentada por uma "ratatouille" teológico-espiritualista que
misturava esoterismos ocidentais com a Cabala, Tantrismo, yoga, "sex magick" à maneira de Crowley,
poliamor, químicos vários e todos os outros condimentos intermédios, estimularia
a transformação de Baker – por essa altura, já uma imponente figura de Moisés
prestes a receber os dez mandamentos – em Father Yod, depois, em Ya Ho Wha, e,
por fim, para simplificar, apenas God. Tal como pode ver-se no documentário
recém publicado em DVD, The Source Family (God Has a Rock Band), de Jodi Wille e Maria Demopoulos, se Baker nunca esteve sequer próximo de
ser um Charles Manson ou um Jim Jones, ainda hoje, de entre os discípulos
sobreviventes, há quem garanta tê-lo visto a jorrar relâmpagos dos ouvidos e a
ressuscitar nados-mortos. Bastante mais objectivo é o impressionante arquivo de
música e imagens da vida da comuna que uma das 13 esposas espirituais de deus foi
preservando (e de que grande parte do documentário se socorre), em particular,
a discografia de Ya Ho Wha 13, colectivo informal de membros da "brotherhood" – deus incluído – que
ocupava o estúdio da Mother House e que terá registado um total de potenciais
65 álbuns de que, originalmente, apenas 9 terão sido publicados (em flash: o
psych/folk/rock não inventou coisa nenhuma) e aos quais, nos últimos anos, a
Drag City deitou a mão. Resta acrescentar que, em 1975, deus duvidou da sua
divindade e pôs-se à prova: sem nenhuma experiência anterior, lançou-se em
asa-delta de uma escarpa no Havai e a aterragem foi fatal. Tinha perdido os
super-poderes.
3 comments:
"em flash: o psych/folk/rock não inventou coisa nenhuma"
Refere-se a estes Ya Ho Wha 13 ou ao género em geral?
Nuno Gonçalves
Estava a pensar nos praticantes actuais.
Obrigado.
Não sabia que actualmente está em voga essa, como dizer, "tendência".
Nuno Gonçalves
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