08 August 2013

VIDA E MORTE DE DEUS


É verdade: deus teve a sua própria banda de rock e esta chamava-se Ya Ho Wha 13. Mas deus viveu a maior parte da sua vida antes de descobrir que era deus. Começou por chamar-se James Edward Baker, nascido em 1922, no Ohio. Aparentemente, aos 12 anos, terá sido aclamado como “o rapaz mais forte dos EUA” e, daí em diante, olhando da altura de um metro e noventa e três, foi fuzileiro das forças-armadas americanas condecorado por bravura em combate durante a Segunda Guerra Mundial, abandonou a primeira esposa terrestre e viajou de moto até Hollywood para se candidatar (sem êxito) ao papel de Tarzan, supostamente em legítima defesa, terá feito uso da sua condição de mestre de judo para enviar para outra dimensão dois indivíduos que o aborreceram, e, num processo consagrado de acumulação primitiva de capital, assaltou uma dezena de bancos o que lhe permitiu iniciar uma próspera carreira no ramo da restauração. O maior sucesso surgiria, no entanto, com a abertura de “The Source”, no Sunset Strip de Los Angeles, em 1969, um dos primeiros restaurantes vegetarianos a cair nas boas graças da "beautiful people" local: Joni Mitchell, John Lennon, Marlon Brando, Warren Beatty, Steve McQueen e tutti quanti eram clientes regulares e até Alvy Singer/Woody Allen, em Annie Hall, sentado na esplanada, relutantemente pede uma salada de rebentos de alfalfa com puré de levedura. 



É precisamente a partir de “The Source” e do seu staff voluntário de belas e belos jovens hippies que o então quase-deus-Baker constitui e financia a sua comuna alternativa que chegaria à centena e meia de membros. Alimentada por uma "ratatouille" teológico-espiritualista que misturava esoterismos ocidentais com a Cabala, Tantrismo, yoga, "sex magick" à maneira de Crowley, poliamor, químicos vários e todos os outros condimentos intermédios, estimularia a transformação de Baker – por essa altura, já uma imponente figura de Moisés prestes a receber os dez mandamentos – em Father Yod, depois, em Ya Ho Wha, e, por fim, para simplificar, apenas God. Tal como pode ver-se no documentário recém publicado em DVD, The Source Family (God Has a Rock Band), de Jodi Wille e Maria Demopoulos, se Baker nunca esteve sequer próximo de ser um Charles Manson ou um Jim Jones, ainda hoje, de entre os discípulos sobreviventes, há quem garanta tê-lo visto a jorrar relâmpagos dos ouvidos e a ressuscitar nados-mortos. Bastante mais objectivo é o impressionante arquivo de música e imagens da vida da comuna que uma das 13 esposas espirituais de deus foi preservando (e de que grande parte do documentário se socorre), em particular, a discografia de Ya Ho Wha 13, colectivo informal de membros da "brotherhood" – deus incluído – que ocupava o estúdio da Mother House e que terá registado um total de potenciais 65 álbuns de que, originalmente, apenas 9 terão sido publicados (em flash: o psych/folk/rock não inventou coisa nenhuma) e aos quais, nos últimos anos, a Drag City deitou a mão. Resta acrescentar que, em 1975, deus duvidou da sua divindade e pôs-se à prova: sem nenhuma experiência anterior, lançou-se em asa-delta de uma escarpa no Havai e a aterragem foi fatal. Tinha perdido os super-poderes.

3 comments:

Anonymous said...

"em flash: o psych/folk/rock não inventou coisa nenhuma"

Refere-se a estes Ya Ho Wha 13 ou ao género em geral?

Nuno Gonçalves

João Lisboa said...

Estava a pensar nos praticantes actuais.

Anonymous said...

Obrigado.
Não sabia que actualmente está em voga essa, como dizer, "tendência".
Nuno Gonçalves