01 August 2013

O RUÍDO E O SILÊNCIO


A 21 de Fevereiro de 2012, o mundo tomava definitivamente conhecimento da existência de uma suposta “banda” punk feminina de Moscovo, as Pussy Riot, que, na catedral de Cristo Salvador, realizaram uma performance cénico-musical invectivando, em simultâneo, Putin, a igreja Ortodoxa e a homofobia oficial. Nessa mesma noite, o vídeo da intervenção circulava já pela Internet, na sequência do que acontecera com outras acções anteriores, nas ruas e metro da capital russa. A 3 de Março, Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alyokhina eram presas, seguindo-se-lhes, quinze dias depois, Yekaterina Samutsevich. Acusadas de “hooliganismo e incitação ao ódio religioso”, a 17 de Agosto, seriam condenadas a dois anos de prisão em duas das mais brutais colónias penais russas. A meio do julgamento, Nadezhda declararia “Não me assusta esta vossa fraude mal disfarçada de julgamento. O que me enfurece são os métodos inquisitoriais medievais que presidem à justiça russa”. E, nas alegações finais, Alyokhina acrescentaria “Enquanto estado, a Rússia é, desde há muito, um organismo podre até à medula. E a podridão explode para o exterior quando apertamos os seus abcessos inflamados”. Mas, poucas horas após a leitura do veredicto, um novo vídeo e canção (“Sete anos de pena não bastam, dêem-nos 18, proíbam-nos de falar, caminhar e praguejar!”) aparecia na edição online do “Guardian”. 



Tornava-se claro que Pussy Riot não era o nome de uma banda mas de uma entidade viva (cerca de 30 elementos) capaz da auto-regeneração imediata de cada membro amputado. Durante os 12 meses seguintes, inúmeras personalidades dos universos da política – de Obama a Angela Merkel e a diversos ministros, embaixadores e parlamentares europeus e americanos – e das artes apelaram à libertação de Tolokonnikova, Samutsevitch e Alyokhina; sob proposta do eurodeputado alemão Werner Schultz, foram nomeadas para o prémio Sakharov; a “Art Review” incluiu-as na lista de 2012 das 100 figuras mais influentes; Alyokhina entrou em greve da fome e descreveu a sua “antivida” encarcerada afirmando “Não querem personalidades, querem pessoas que se habituem”, e ela e Nadezhda apelaram à liberdade condicional que lhes seria recusada (“O Governo quer que admitamos a nossa culpa, o que obviamente não faremos”): ao conhecer a decisão, por trás das grades e virada para os juízes, Tolokonnikova repetiu o gesto que celebrizaria Manuel Pinho; o documentário Pussy Riot: A Punk Prayer, de Mike Lerner, ganhou um prémio especial do júri no Sundance Film Festival. A 16 de Julho deste ano, a videodiscografia das Pussy Riot, revelaria, entretanto, o seu último tomo: “Like a Red Prison”, vídeo já bem distante da qualidade artesanal (visual e sonora) dos anteriores, em que diversas Pussy, invadem uma estação petrolífera, lançam crude sobre imagens dos magnatas do regime aliados de Putin e qualificam este como “ayatola” corrupto e homofóbico. E, no blog do grupo, fazem questão de sublinhar que Nadezhda Tolokonnikova contribuiu para a escrita do texto. A história não termina aqui. Mas, em Portugal, nem sequer começou: da esquerda à direita, do governo à oposição, até hoje, nem uma sílaba sobre o assunto foi pronunciada. 

1 comment:

Manuel said...

A (des)propósito : a não perder a leitura de http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.pt/2013/01/a-book-day-takes-doctor-away.html

Manuel Carvalho