01 March 2013

HERÓIS DO MAR
(dedicado ao ministro Vítor Gaspar)


A 11 de Janeiro passado, o mundo tomava conhecimento de que Mohamed Abdi Hassan, aliás "Afweyne" (“desbocado”, em somali), após uma portentosa carreira de oito anos como pirata nos mares da Somália – proezas maiores: as capturas de um cargueiro ucraniano carregado de armas e de um superpetroleiro saudita que transportava dois milhões de barris de crude avaliados em cerca de 100 milhões de dólares –, retirava-se da actividade (alegando “a falta de presas devido ao reforço de segurança nos mares efectuada por forças internacionais”) e encorajava os seus camaradas a fazerem o mesmo. Anunciava ainda ter já “estabelecido contactos com o novo governo da Somália de forma a podermos abandonar este trabalho sujo”.




De facto, a pirataria contemporânea não tem boa imprensa – nada que possa comparar-se com a dos tempos heróicos narrados na General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates (1724), do enigmático capitão Charles Johnson, e modernamente glorificada por Stephen Snelders e Hakim Bey em The Devil's Anarchy (2005) – mas nem isso chegará para justificar o espanto do autor da notícia quando comentava que "Afweyne", vestido à ocidental, com camisa branca, casaco escuro, barba feita e óculos Ray-Ban, “parecia mais um homem de negócios que um pirata”. Como demasiado bem sabemos (BPN, BPP, Madoff et alia, fazem soar campainhas?), uma coisa não costuma excluir, necessariamente, a outra.




É preferível, por isso, investir mais nos piratas clássicos do que nos actuais (de várias pintas), empreendimento que, à boleia do "franchise" cinematográfico da Disney, Piratas das Caraíbas, com cais de partida em Rogue's Gallery: Pirate Ballads, Sea Songs And Chanteys (2006), Johnny Depp, Gore Verbinsky e Hal Willner, prosseguem, agora, com notório deleite, no novo (igualmente) duplo, Son of Rogues Gallery. O casting de corsários, no primeiro CD, é praticamente imaculado: içam-se as velas ao som do lendário bucaneiro, Shane MacGowan, em "Leaving Of Liverpool", Robyn Hitchcock, a magnífica Beth Orton e Sean Lennon mantém o rumo até os oceanos se revolverem nas profundezas com o "Shenandoah" de Tom Waits e Keith Richards e, até ao final, por entre flibusteiros de longo curso como Chuck E. Weiss, Patti Smith, Gavin Friday e outros sérios candidatos ao posto de capitão (a óptima Shilpa Ray, mas também Macy Gray, Ivan Neville, Kenny Wollesen), a bandeira negra é hasteada bem alto em "Asshole Rules The Navy" onde Iggy Pop e A Hawk And A Hacksaw filosofam sobre o que viria a ser o modelo de relacionamento futuro entre fiscais das finanças e ex-secretários de Estado portugueses.




As águas são indesejavelmente menos encapeladas no segundo disco onde verdadeiros sobressaltos apenas ocorrem com Richard Thompson ("General Taylor"), no "Rio Grande" de – quais Anne Bonny e Jack Rackham – Michael Stipe e Courtney Love, e na ébria "shanty", "The Dreadnought" (Iggy outra vez). Mas qualquer rodela de plástico que, nem que seja durante 1’51”, nos permita escutar a raríssima Mary Margaret O’Hara merece canonização instantânea. 

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