TRÊS MOSQUETEIROS E DUAS VIDAS (I)
Como, desde Alexandre Dumas, ficou definitivamente estabelecido, os três mosqueteiros são quatro. Esta outra emocionante aventura, bastante mais recente, que consistiu em publicar uma revisão integral de um dos álbuns fundadores da música popular moderna portuguesa – Os Sobreviventes, de 1972 – confirma, em absoluto, a regra: Bernardo Fachada (ou B Fachada), Francisca Cortesão (aliás, Minta), João Correia (Julie & The Carjackers), e, na condição de osservatore a latere, o próprio autor, Sérgio Godinho, foram os responsáveis por aquilo que, surgindo no 40º aniversário da edição original, Fachada, com lapalissiano rigor, qualifica como “um disco que só terá 40 anos daqui a 40 anos”. E, falando em seu nome e no dos outros dois cúmplices no acto de profanação, justifica a ousadia: “Este é um disco que está num sítio especial da nossa memória. Nenhum de nós se recorda da primeira vez que o escutou porque, simplesmente, ele esteve lá sempre. E tínhamos uma relação muito forte com as canções, não enquanto entidades abstractas mas, porque já as tínhamos cantado inúmeras vezes, entre amigos, foram tomando muitas formas concretas, foram praticadas. Essa dimensão pessoal tornou-as mais fáceis de trabalhar. Depois, qualquer objecto cultural tem um contexto: ouvir Os Sobreviventes, em 72, é muito diferente de ouvi-lo hoje. Abriu-se, assim, uma porta para recontextualizar aquelas canções e tentar construir uma significação um pouco diferente do original”.
Godinho, assumindo a paternidade ausente, reconhece que sempre lhe interessou muito “ouvir a maneira como as canções são apropriadas por outros, o que, muitas vezes, é surpreendente” mas faz questão de sublinhar que “quero estar de fora e sempre quis estar de fora. Não assisti a nenhuma das gravações, só ouvi o trabalho já feito. Nunca houve aquilo de ir mostrando 'a ver se ele gosta'. Esse era um dado de partida”. No entanto, isso não é coisa que o impeça de, sem distinguir entre filhas e enteadas, confessar que, “naturalmente, há coisas de que gosto mais e outras de que gosto menos”. E, “pelo sentido lúdico”, a versão de "O Senhor Marquês", surpreendeu-o deveras tal como a "O Charlatão" escuta-a como “quase outra música”. Particularmente interessante foi também a opção pela reconstituição de um álbum completo, em vez de – como acontecera antes com O Irmão do Meio – seleccionar uma espécie de "best of" do reportório de Sérgio Godinho e distribuí-lo por vários candidatos a releitores. A duas vozes, Bernardo e Francisca, justificam a decisão: “Fazer a versão de um álbum completo pareceu-nos uma ideia com muito mais espaço para explorar a música do Sérgio. Se tivéssemos a liberdade para fazer versões de quaisquer canções dele, íamos perder um ano só a escolhê-las. Assim já estão todas escolhidas, a ordem também, chegámos ao ponto quase um bocado absurdo de manter o tom original de todas”.
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