DO PESCOÇO PARA CIMA
Grizzly Bear - Shields
Não será particularmente arguto mas também não é indesculpavelmente idiota estabelecer alguma distinção entre aqueles tipos de música que nos afectam, predominantemente, do pescoço para cima ou da cintura para baixo (deixemos, por agora, de lado aquela zona que o capitão Renault, de Casablanca, quando lhe apontavam uma arma ao peito, designava como “o meu ponto menos vulnerável”). Existe, evidentemente, a que consegue carregar-nos nos botões certos de ambas as áreas e não é impossível que seja a mais estimável, apesar de esta ser matéria acerca da qual convém manter dúvidas e incertezas. Mas, concentrando-nos nos Grizzly Bear, não se há-de arriscar muito ao declarar que, na sua música – pelo menos, desde Veckatimest (2009) –, o que mais seduz é a intrincada inteligência da arquitectura de cada peça que, laboriosamente, edificam. Qualquer coisa (em não tão grandioso, claro) como o devastador orgasmo
mental que Andrew Wiles terá experimentado ao conseguir, por fim,
demonstrar o último teorema de Fermat.
A proeza dos Bear é, essencialmente, a de (como, por exemplo, também sucede com os Field Music ou Dirty Projectors) terem sido capazes de estabelecer, para além de todas as dúvidas razoáveis de uma severa "peer review", que, na linha evolutiva da música do século XX, o prog-rock não desembocou, irremediavelmente, nem beco sem saída: sim, é possível recusar o juramento-de-sangue punk e não acabar a tocar os Brandeburgueses para banda rock com a Filarmónica de Swindon. Shields – admirável pop em ocasional modo Nietzsche-zen (“No wrong or right, just do whatever you like”), tapeçaria de distorção psicadélica em harmonioso matrimónio com sinfonismo "à la" Van Dyke Parks, enoismos incidentais e sofisticação harmónica jazzy – é apenas mais uma eloquente prova disso.
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