23 October 2012

A MÚSICA DA VIDA ANTES


















Efterklang - Piramida 

Piramida (ou Pyramiden) é uma cidade mineira fantasma, na ilha de Spitsbergen, arquipélago de Svalbard, no glacial Ártico polar. Em 1927, a Noruega cedeu-a à União Soviética que, cerca de 70 anos depois, a desocupou, transformando-a numa decadente e monumental relíquia da antiga superpotência industrial. No planeta, não existe nenhuma estátua de Lenine nem outro piano de cauda que se situem mais a Norte do que os que, em Piramida, assombram as minas de carvão, as ruas, o centro cultural e desportivo, o hotel, os escritórios, as máquinas imobilizadas e os espaços desertos, agora invadidos por ursos e gaivotas que substituíram os 1000 humanos que, antes, os habitavam. Aparentemente, devido às frígidas temperaturas locais, a lenta velocidade de decomposição de todo esse equipamento da velha guarda avançada do comunismo em território capitalista permitirá que, dentro de 500 anos, as estruturas físicas ainda se mantenham conservadas. Mas os dinamarqueses Efterklang preferiram preservá-las de outra forma: capturando-lhes a atmosfera e a vibração sonora. 

Após o anterior e óptimo Magic Chairs (2010) – exercício de geometria minimalista, entre Steve Reich e Sufjan Stevens, traduzida para um idioma quase-pop –, Casper Clausen, Mads Brauer e Rasmus Stolberg imaginaram que o que se lhe deveria seguir seria algo como música "site-specific". Por exemplo, de (e em) uma floresta. Mas, quando, receberam um email de um realizador de cinema sueco desafiando-os para filmar um vídeo em Piramida (afinal, apenas uma natural sequência do que haviam feito com Vincent Moon em An Island) e colocaram os olhos sobre as imagens da cidade morta, compreenderam instantaneamente que, não apenas o potencial que ela continha era rico demais para desperdiçar exclusivamente num vídeo, como era, igualmente, a oportunidade perfeita para fazer justiça ao nome do grupo (Efterklang, em dinamarquês, “reverberação” e também “recordação”): “A ideia era chegarmos lá completamente impreparados. O primeiro dia em que puséssemos os pés naquela cidade fantasma seria o primeiro dia do álbum. É um sítio fascinante, transmite-nos a sensação de já ter existido ali vida. Podemos imaginar como era antes de se ter extinguido, ainda há mobiliário e quadros nas paredes, podemos entrar em casas onde viveu gente... o que é também um bocado arrepiante”, conta Rasmus Stolberg. Foram, primeiro, nove dias de recolha de gravações de campo – os timbres de contentores metálicos enferrujados, garrafas de vodka vazias, silos utilizados como câmaras de eco, tanques de combustível, estruturas de candeeiros, o velho piano Outubro Vermelho desafinado –, mais de 1000 "samples" registados e arquivados, lugar por lugar. Seguiram-se nove meses, no estúdio, em Berlim: “Foi um processo controlado mas repleto de surpresas. As amostras sonoras que recolhemos foram a inspiração e o ponto de partida. Em estúdio, descobrimos como haveríamos de organizá-las e, a partir dali, erguer canções”

Na verdade, Piramida não é uma descendência tardia de Matthew Herbert ou dos Matmos. Se os "samples" oferecem estrutura e colorido tímbrico, por vezes, quase subsónico (como se só restasse a aura sonora das fontes sampladas), o que aqui se escuta são belíssimas canções no cruzamento dos Blue Nile e It’s Immaterial com o espectro da "musique concrète", em que os detalhes acham espaço de respiração e descobrem o seu exacto lugar nesta espécie de mobiles de Alexander Calder esculpidos, em gelo, por Brian Eno, e enquadrados por cordas, sopros e a aurora boreal de corais femininos. A tundra bem pode reclamar os seus direitos sobre os despojos humanos que a reverberação da memória resistirá à “horrorosa natureza pseudo-mãe”.

1 comment:

TR said...

Muito bom!