Depois de Lisbon, o paraíso. Não que os Walkmen se estejam a fazer a qualquer campanha da (justamente falecida) brand, "Portugal - Europe's West Coast", nem a tentar apanhar a última carruagem do comboio de mercadorias que transporta o Património Imaterial da Humanidade. Até porque, se o sucessor de Lisbon (2010) se chama Heaven - sétimo álbum de estúdio dos Walkmen em dez anos de actividade - esta terra prometida, ainda que de atmosfera menos carregada do que tem sido norma com a banda, continua a não ser o género de cenário sobre o qual se cimentem gloriosas visões de paisagens por onde correm o leite e o mel. Hamilton Leithauser, alma algo mais apaziguada do que a que criou o inaugural Everyone Who Pretended To Like Is Gone (2002), nem por isso renegou Leonard Cohen, Johnny Cash ou Shane MacGowan como seus faróis inspiradores e, quando colocado perante o suposto estatuto de "elder statesman" da intelligentsia do rock indie literato, recua quase, quase apavorado.
Algures na net, alguém procurava
caracterizar a vossa banda escrevendo que “ninguém vai comprar um álbum dos
Walkmen à espera que ele o faça sentir-se a pessoa mais feliz do mundo; é para
isso que Katrina & The Waves existem”. Isto ainda continua a ser verdade?
(risos) Não é que façamos de propósito...
mas também não pode dizer-se que isso seja inteiramente verdade. Em particular,
neste álbum.
Ao
fim de dez anos, sentem que continuam a ser a mesma banda do início ou houve
grandes transformações?
Quando começámos a banda andávamos todos por
volta dos vinte e tais e queríamos deitar imediatamente cá para fora música em
que acreditássemos realmente. No nosso primeiro álbum, incluímos todas as
canções que tínhamos: escrevíamos uma ou duas e íamos logo a seguir gravá-las. Actualmente,
trabalhamos de um modo muito mais individualista. Raramente nos encontramos
para compor. Trocamos mails, telefonamo-nos. Para este disco, só me encontrei
duas ou três vezes com o Paul [Maroon]
e com o Walter [Martin]. Só quando sentimos
que estava tudo pronto para entrarmos em estúdio é que o fizemos. Isto, visto
de fora, pode parecer um bocado estranho mas acho que nunca, como agora,
estivemos tão bem preparados para gravar um álbum.
Vivendo actualmente vários elementos do grupo espalhados pelo território
norte-americano, pode ainda afirmar-se que os Walkmen são uma banda de Nova
Iorque?
Eu nunca abandonei Nova Iorque. Foi aqui
que tudo começou para nós, é uma cidade que, de uma forma ou de outra, sempre nos
há-de correr nas veias. Não sei exactamente o que pensarão os outros mas essa é
uma ligação extremamente forte que dificilmente alguma vez se dissolverá.
O
Peter Bauer referiu-se ao produtor Phil Ek como alguém que, metaforicamente, de
chicote na mão, vos pôs na linha, de uma vez por todas...
E é verdade. Ele tratou de estar atento a
todos aqueles detalhes que nós temos tendência para ignorar, foi extremamente
exigente e obrigou-nos a concentrar totalmente na tarefa de concluir as
gravações dentro do período de tempo previsto. Mas isso também se deveu ao
facto de nós, realmente, quando começámos a gravar, já termos tudo
perfeitamente lubrificado. Por outro lado, ele teve também um papel importante
do ponto de vista criativo, escutámos bastante as opiniões dele, coisa que, no
passado (em especial, nos primeiros discos), nunca tinha acontecido.
A
atmosfera de Heaven é, de facto, menos soturna que o habitual mas, ainda
assim, em "We Can’t Be Beat", o apelo “Give
me a life that needs correction, nobody loves perfection”, parece indicar
que esse paraíso só poderá ser imperfeito...
Exacto, é isso mesmo. Essa é, sem dúvida, a interpretação mais
precisa. É justamente assim que eu o sinto. Escolhemos esse título por exprimir
uma ideia forte e grande que se ajustava perfeitamente ao tipo de disco que é
mas também porque representa muito bem o momento e o modo em que nos
encontramos nas nossas vidas. Fartámo-nos de viajar com a banda (como, com
todas, acontece) mas, agora, atingimos um ponto em que nos sentimos bem, temos
família e filhos. Este ano realizámos até concertos comemorativos do décimo
aniversário o que nos permitiu ter alguma perspectiva sobre o nosso percurso.
Por
outro lado, em "Heartbreaker", quando canta “You know I'm hopeless, oh no,
you're wrong, it's not the singer, it's the song”, parece querer fugir a
interpretações demasiado autobiográficas…
Sim, é por aí. Mas, na verdade, o ponto de
partida foi uma canção clássica dos Rolling Stones, "It’s The Singer, Not The
Song", de que chegámos a pensar fazer uma versão. Acabámos por desistir mas eu
quis preservar essa frase... invertendo-lhe o sentido.
Existe
aquela ideia de que um escritor escreve e reescreve eternamente o mesmo livro.
Com uma banda, após dez anos de existência, acontece o mesmo?
Quando escuto o nosso primeiro álbum fico
com a ideia que foram pessoas muito diferentes das que nós somos hoje que o
gravaram. Nunca voltaríamos a gravar um disco assim. Mas também, se não o
tivéssemos realizado, nunca poderia ter aparecido algo semelhante a Heaven. Entre
essa época e agora, houve, de certeza, uma enorme mudança de atitude em nós.
Somos, evidentemente, as mesmas pessoas mas obrigamo-nos a gastar imenso tempo
para nos mantermos interessantes e interessados. Porque não é fácil manter o
interesse.
Uma
outra tentativa de caracterização dos Walkmen actuais falava de vocês como
“sardónicos cavalheiros maduros saboreando copos de vinho tinto com os
National”. A luva serve?
(risos) Não gosto muito dessa descrição...
Porque
vos apresenta como personagens demasiado respeitáveis?
“Too respectable, sir?...” (risos) Não por
causa dos copos de vinho tinto que, na verdade, já bebemos em conjunto com os
National. Mas não é imagem que nos assente bem.
3 comments:
gostava que a última resposta tivesse sido mais esclarecedora. a verdade é que são duas bandas inesgotáveis.
Pois. Mas o moço acanhou-se...
Depois de Lisboa, qualquer coisa é paraíso. É uma cidade feia, onde as pessoas andam de mãos nos bolsos, pescoço esticado, a gritar, e que bem gritava a nossa cabra berradeira.
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