03 May 2011

ATÉ AO SILÊNCIO




















The Unthanks - Last

A gravura da capa de Last (informam as Unthanks, no "booklet") é uma ilustração de Winslow Homer – artista americano que viveu durante dois anos em Inglaterra pintando os pescadores do Nordeste –, para uma edição da “Harper’s Weekly”, de 1863. E, numa entrevista, explicaram que se trata do seu equivalente para “aquela tremenda capa com o comboio a vapor de Modern Life Is Rubbish, dos Blur”. É o género de confissão que, dando ar de coisa apenas trivial, ajuda a compreender mais profundamente a essência do grupo das manas Rachel e Becky e, de facto, a sintetiza em pouquíssimas palavras – imagem “antiga” (de baile galante) como moldura visual para uma colecção de canções tradicionais e contemporâneas que, se não repete que “a vida moderna não presta”, deixa (nas palavras de Adrian McNally, referindo-se à sua canção-título e único original do disco) uma outra interrogação bem mais inquietante: “A intenção não é afirmar quão maravilhoso foi o passado mas perguntar por que motivo o futuro não parece nada brilhante”.



A verdade é que, nos últimos anos, o futuro nunca foi tão risonho como agora para a música de raiz tradicional britânica, com conquista de troféus e nomeações para shortlists dos Brit Awards e do Mercury Prize a medalhar currículos. Tanto na variante "nu-folk" (a dos Mumford & Sons, Laura Marling, Johnny Flynn e cúmplices vários,) como no nicho quase privativo que as Unthanks delimitaram para si sem que isso as impedisse de viajar até à Etiópia com Damon Albarn integradas na última expedição do “Africa Express” (iniciativa de ecumenismo "world-music" criada pelo ex-Blur), de colaborar com Colin Firth (e, entre muitos outros, Ben Kingsley, Rupert Everett, Arundhati Roy e Laura Marling) no documentário/espectáculo de palco, The People Speak, de participar, juntamente com Adrian Utley, dos Portishead, numa recriação da Beggar’s Opera, dirigida por Charles Hazlewood, ou de se apresentarem na Union Chapel, de Londres, com um reportório exclusivamente constituído por canções de Robert Wyatt e Antony Hegarty. Mas, mesmo que, provavelmente, não desconhecendo aquilo que Bernard Shaw dizia acerca da capacidade de aprendizagem da espécie (“Na História, aprendemos que o homem nunca aprende nada com a História”), persistindo sempre numa espécie de pedagogia assente na sedução da música tradicional e das outras que para esse território conduzem.



No anterior e magnífico Here’s The Tender Coming (2009), o murro no estômago era "The Testimony Of Patience Kershaw", relato aterrador sobre a exploração selvagem dos operários mineiros do penúltimo século. Aqui, em cenário idêntico, os sete minutos de "Close The Coalhouse Door", em registo folk revisto por Steve Reich d’après Satie, ampliam o pesadelo até ao limite do tolerável. Até aí, entretanto, repetindo o bom hábito de transfigurar reportório alheio, envolvem de fumo, neblina e brocado de cordas ‘"No One Knows I’m Gone", de Tom Waits, como se Alice Liddell fosse uma "lassie" da Northumbria; delicadamente, quase perversamente, adensam ainda mais as trevas (“Sundown dazzling day, gold through my eyes, but my eyes turned within, only see starless and bible black”) de "Starless", dos King Crimson; e, do fúnebre lamento de "Give Away Your Heart" à sobrenatural assombração de "Gan To The Kye", passo a passo, reduzem ao silêncio o universo à volta.

(2011)

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