03 January 2011

2010 - MEIA IDADE


M.I.A. - "Born Free"

A 4 de Novembro passado, no “Guardian”, John Harris, num texto intitulado “Someone out there, please pick up a guitar and howl”, interrogava-se acerca dos motivos porque, após “dois anos de tumulto pós-crash” e na sequência dos violentos protestos de rua em reacção às medidas tomadas por David Cameron no Reino Unido, a cultura pop permanecia “descomprometida, carregada de ironia, essencialmente apolítica”. Mais especificamente, no caso da música, sublinhava que “actualmente, o espírito de dissidência, parece ter-se tornado demasiado um exclusivo de gerações anteriores que existe mais para ser saudado com reverência do que reinventado”. E – antes de, quase em desespero, terminar com o apelo às armas que serviria de título ao artigo – adiantava duas hipóteses explicativas: 1) a pop, na totalidade do seu espectro geracional e em todo o planeta, entrou definitivamente na meia-idade, encontrando-se, hoje, muito mais vocacionada para vender telemóveis do que para banda sonora de revoltas sociais; 2) porque ocorreria a alguém exprimir ideias de insurreição através da forma de arte preferida do capitalismo?



Não existirá melhor exemplo de como a pop, em boa medida, se transformou (também) em território consensual para amável troca de galhardetes políticos do que o episódio ocorrido a 8 de Dezembro, no parlamento britânico, por altura da votação dos cortes nas verbas para o ensino público, entre David Cameron e uma deputada da oposição trabalhista, quando esta lhe perguntou o que – sendo ele um confessado fã dos Smiths – pensava do facto de, via Twitter, tanto Johnny Marr como Morrissey o terem, simbolicamente, “proibido de gostar deles”. E acrescentou: “Se o primeiro-ministro sair vencedor do voto de quinta-feira, que música imagina que os estudantes estarão a ouvir naquele momento? ‘Miserable Lie’, ‘I Don’t Owe You Anything’ ou ‘Heaven knows I’m miserable now’?” Tranquila e sorridentemente, Cameron respondeu: “Acho que, se estiverem a pensar em mim, não vai ser ‘This Charming Man’. Mas, se eu estiver ao lado do Secretário de Estado, William Hague, provavelmente será ‘William, It Was Really Nothing’”.



Na verdade, se a pop nunca marchou, de armas na mão, sobre os Palácios de Inverno do mundo, não se descobre já, a cada esquina, um Phil Ochs ou uns MC5, e não será amanhã que um novo grupo de guerrilheiros urbanos alucinados como os Weathermen dos anos 70 se inspirará numa canção de um qualquer Dylan para iniciar as hostilidades. Casos como o de M.I.A. e do seu polémico vídeo “Born Free” (mas diz-se “polémico” e o impacto é, instantaneamente, amortecido...) são a excepção e não a regra. Laurie Anderson ainda ousa dizer “You thought there were things that had disappeared forever, things from the Middle Ages, beheadings and hangings and people in cages, and suddenly they’re alright, welcome to the American night”. Mas a pop tem mais com que se preocupar.

(2011)

5 comments:

lia said...

Acredito bastante nesta hipótese: «a pop (...) encontra-se, hoje, muito mais vocacionada para vender telemóveis do que para banda sonora de revoltas sociais». Uma música que me parece reflectir bastante estes «tempos», curiosamente, é a «Um Dia Não São Dias Não», do Nuno Prata (disco deste ano). Peço desculpa por toda esta propaganda nos comentários, mas uma letra que articula com alguma leveza expressões como «trabalho precário, part-time temporário» ou «arroz com feijão» parece-me digna de destaque : )

João Lisboa said...

:)

Anonymous said...

voto na lisabel, se possível. do album do nuno prata é mesmo a música que me chamou mais a atenção. O JP Simões tinha outra óptima no 1970, sobre a sua geração.

não sei se é tanto uma questão de vender telemóveis. a música está por todo o lado como nunca. não sei é se a disponibilidade para ir em revoluções é a mesma. por cá, só a título de exemplo, queixamo-nos da falta de moralidade da classe política, da corrupção e tudo o mais. mas quando o melhor argumento que me dão para votar num cavaco (e só falo nas presidenciais porque é a próxima grande cena) é ser uma figura certinha - daquelas que já se sabe o que a casa gasta - confesso que acho que ainda nos falta crescer muito.

pessoalmente já ficaria contente se num debate no parlamento alguém fosse capaz de questionar o outro com músicas. tomara eu que um dos nossos conservadores fosse capaz de ouvir the smiths.

João Lisboa said...

"tomara eu que um dos nossos conservadores fosse capaz de ouvir the smiths"

Até é muito capaz de os haver. Mas não seria isso que os iria melhorar.

lia said...

Obrigada pelo voto (de confiança), Anónimo. Mas eu só ouço cantiguinhas, não seria uma presidente muito capaz : )

Por falar em JP, aqui fica uma música nova (do disco a sair em breve) que acabo de descobrir no YouTube...

http://www.youtube.com/watch?v=QVneDyzF-WE&feature=player_embedded#!