14 October 2010

O DIABO A SETE
(post convidado ontem no Delito de Opinião)


Gabriele Amorth: "Vade retro!!!..."

A 11 do passado mês de Março, o padre Gabriele Amorth – 85 anos de idade e 25 de experiência como exorcista-chefe do Vaticano –, do alto do seu currículo com cerca de 70 000 casos de possessão demoníaca, declarava que a onda de escândalos de pedofilia que se abatera sobre a Igreja Católica era prova claríssima de que “o Demónio está activo dentro do Vaticano”. E acrescentava que o que por lá mais existia eram “cardeais que não acreditam em Jesus e bispos que têm ligações com o Demónio”. Não seria, de todo, indispensável, possuir, como ele, o título de presidente honorário da Associação Internacional de Exorcistas para ter acesso a tal conhecimento. Há quinhentos anos, o santíssimo papa Leão X (1475 - 1521), já deixara esse assunto suficientemente esclarecido quando afirmou "Quantum nobis prodeste haec fabula Christi” ("Quão proveitosa nos tem sido esta fábula de Cristo"). Mas não desdenhemos da sapiência de Gabriele apesar de ser o próprio a confessar que “às vezes, o Demónio faz pouco de mim”. Até porque, pouco depois, a 8 de Julho, outro grande especialista, o padre católico espanhol José Fortea (autor do Tratado de Demonologia e Manual de Exorcistas, obra de referência sobre o assunto) nos informava de que “Deus e o Demónio conversam. Mas o Demónio não vai visitar Deus, está no Inferno. Só que por vezes eleva a sua voz a Deus. E Deus escuta-o. Mas Deus tem pouco a dizer ao Demónio e o Demónio não quer falar com Deus”.


Não é, de certeza, por acaso, que isto nos pode fazer pensar em ocorrências políticas locais e recentes. E que, irresistivelmente, nos empurra para a leitura da História Política do Diabo, de Daniel Defoe – sim, o mesmo do Robinson Crusoe, mas também comerciante de vinhos em Cadiz, Porto e Lisboa, jornalista (e alegado precursor do jornalismo económico), panfletarista político e agente secreto inglês na Escócia dos séculos XVII/XVIII –, acabado de publicar (ed. Guerra & Paz) na sua primeira tradução em português. E, logo no capítulo inicial, Defoe aborda a vexata quaestio: “Tem, de facto, sido sugerido que ele [o Diabo] terá mesmo tomado ordens e que um certo papa, famoso por ser um dos seus favoritos, lhe facilitou tanto a investidura como a instituição; só que, como disto não há registo algum (...) eu não posso afirmar o caso como verdadeiro, até porque não pretendo caluniar o Diabo”. Mas, mesmo assim, não resiste a insinuar que “ele foi muito íntimo de um santo padre, o papa Silvestre II, e alguns chegam mesmo a acusá-lo de ter duplicado o papa Hildebrando, o Infame, numa ocasião extraordinária em que o próprio Diabo se terá sentado na cadeira apostólica, defronte de toda a congregação reunida”. Mais importante ainda (e vamos apenas na página 16 de um total de saborosas e eruditas 400 e picos em que o tema será desenvolvido): “ficará claro que Satã teve muitas vezes parte no método, senão mesmo no desígnio, da propagação da fé cristã”.

William Blake - Satan, Sin, and Death: Satan Comes to the Gates of Hell (ilustração para o Paraíso Perdido de Milton, c. 1806)

Defoe sabe do que fala mas outros estudiosos, anteriores e posteriores, dissecaram o assunto ao pormenor. E, aqui chegados, ninguém se espantará que peritos como Johann Weyer (Pseudomonarchia Daemonum, 1563) e Collin de Plancy (Dictionnaire Infernal, 1818) tenham estabelecido que a corte infernal está estruturada e é dirigida como uma outra qualquer instituição humana. Constituída por 69 notáveis (“número curioso”, diria Mota Amaral), Belzebu é o chefe supremo e fundador da Ordem da Mosca; Satanaz é o líder do partido da oposição; Baalberith, o mestre das alianças; Nergal, o chefe da polícia secreta; Astharot, ministro das finanças, Baal, comandante-em-chefe dos exércitos, e por aí fora, numa extensa lista de embaixadores, juízes, chefes de cozinha, grandes escanções, mestres de cerimónias, chefes dos eunucos, directores de espectáculos e superintendentes das casas de jogo, onde nem sequer falta Nybbas, “grande parasita, vigarista e charlatão”. Afinal, vendo bem, tudo pessoal conhecido.

(2010)

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