09 July 2009

ENGENHARIA



Tortoise - Beacons Of Ancestorship

Os Tortoise são o género de banda cuja música é muito mais fácil de admirar do que de verdadeiramente amar. Exercita-se a vénia perante a evidentíssima inteligência presente na concepção e concretização de cada álbum e de cada peça musical, é impossível não reconhecer o quanto a noção – teórica e prática – de arquitectura sonora é indissociável do processo de criação de (actualmente) John McEntire, Doug McCombs, Jeff Parker, Dan Bitney e John Herndon, presta-se, sem favor, homenagem à forma como souberam filtrar quase tudo o que era o excesso calórico do prog-rock e, via-kraut e métodos de liposucção afins, lado a lado com os Gastr Del Sol, Labradford ou Stars Of The Lid, inventaram aquilo que, posando para a História, Simon Reynolds designou como pós-rock. Tudo isso é verdade, mas escuta-se os Tortoise como se aprecia uma magnífica obra de engenharia: impressiona mas – a menos que fossemos os seus autores – dificilmente faríamos dela uma causa.



Conversar com Doug McCombs também não ajuda muito a mudar de opinião. Confirma a herança "prog" matizada de jazz e pós-punk; acrescenta os previsíveis tópicos do género "em estúdio, por vezes, temos apenas um ritmo ou uma melodia; depois, funcionamos em comité, aprovando ou rejeitando as várias sugestões individuais"; admite períodos de bloqueio e confessa que "chegamos a deitar fora mais de 90% das ideias iniciais à espera do momento em que sentimos ter encontrado a porta de saída certa"; e, claro, não renega a etiqueta que Reynolds lhes colou mas assegura que o que fazem não deixou, por isso, de ser menos rock. E di-lo, de um modo, sem dúvida, afável, mas também ele bastante distante do que se poderia caracterizar como... entusiástico.



Beacons Of Ancestorship, então, confere: apesar de, aparentemente, decorrer de uma deliberada intenção de maior imediatez e urgência rítmica e sonora – isto é, maior predominância ao "rock" em detrimento do "pós", mas sem excessivas cedências –, ainda não será desta vez que se poderá verdadeiramente proclamar que os Tortoise abdicaram de ter como alvo essencial o córtex pré-frontal do seu público e pensaram em dirigir o tiro um pouco abaixo da cintura. Detectam-se, aqui e ali, jogos de toca-e-foge com a música africana e (afro)brasileira, uma ou duas alusões proto-“orientalistas”, o músculo dos riffs de baixo, guitarra e sintetizadores está claramente mais tonificado, porém, nada que autorize o veredicto de que, cinco anos depois de It’s All Around You, o quinteto de Chicago optou por mudar de pele e ensaiar um rumo estético pronunciadamente diverso do que lhe conhecemos. É um bom álbum? Claro que sim. No cânone-Tortoise, um clássico? Muito provavelmente, não. Isso é terrivelmente grave? Também não. Mas um pouco de maior interacção entre os dois hemisférios cerebrais era bem capaz de não lhes fazer mal nenhum.

(2009)

3 comments:

Anonymous said...

Não conheço os últimos caminhos dos rapazes, mas gosto dos primeiros discos, principalmente do TNT.

João Lisboa said...

"Não conheço os últimos caminhos dos rapazes"

Está aí um exemplo.

Anonymous said...

Tomando o exemplo pelo todo actual, fico-me pela ignorância e pelas velharias.