ALGUÉM DISSE "INDIE"?
Sigur Rós - með suð í eyrum við spilum endalaust
Nenhuma banda que se preocupe realmente a sério com o sucesso comercial publica, sucessivamente, quatro álbuns cujas canções são vertidas num idioma imaginário que nem um só fã, de isqueirinho na mão, consegue reproduzir. Nenhuma banda com planos megalómanos de dominar o mundo e enxotar a concorrência de U2, Coldplays e quejandos cai na asneira de intitular um disco (). Nenhuma banda que sonhe trepar pelo que resta dos top-tens do universo, no exacto instante em que, mal disfarçadamente, se murmura que “desta é que vai ser”, se decide a trocar o tal linguajar exótico pelo quase tão hermético islandês e a baptizar o suposto álbum do definitivo “breakthrough” como með suð í eyrum við spilum endalaust. Muito em particular, quando se descobre que, na tradução inglesa, isso significa “with a buzz in our ears we play endlessly”, o que, no caso em apreço dos Sigur Rós, poderia muito facilmente ser uma caricatura sarcástica da identidade sonora do grupo. Claro que tudo isto faria imensamente sentido no interior de uma ética/estética “indie” ortodoxa que tivesse como objectivo último garantir a existência de uma modesta rede de células de fãs clandestinas, esparsamente alojadas entre os sótãos de Reykjavik, os albergues de juventude do Lake District e as garagens de Telheiras.
O que resultou, no entanto, de tal opção? Uma corte de fãs que inclui Brad Pitt, Madonna, Tom Cruise, Natalie Portman, David Bowie, os Metallica, Red Hot Chili Peppers, Foo Fighters, Radiohead e... Coldplay; uma auspiciosa carreira paralela como arquivo potencial de bandas sonoras, na variante-algodão doce, para cinema e televisão; e uma discografia que continha, até agora, o género de música que fundia a estética 4AD reciclada, uma espécie de My Bloodless Valentine e aquilo que se deverá ter escutado nos céus de Aqaba, quando Moisés dividiu as águas do Mar Vermelho. Alguém disse “indie”? Se disse, até pode voltar a repeti-lo agora. Porque með suð, num ensaio razoavelmente conseguido de iludir as expectativas, quase inverte a percepção que tínhamos dos Sigur Rós: muito detalhismo sonoro acústico na descendência directa do que se observava no DVD Heima, uma alma quase pop aqui e ali, a aproximação (em “Gobbledigook”) ao pequeno caos de “kindergarten” dos Animal Collective e (tinha de ser...) ainda um pouco de Moisés-no-Mar-Vermelho em “Festival” e “Ara Bátur” – um épico de nove minutos em versão “thinking man’s Andrew Lloyd Weber”. Prevê-se engarrafamento na “guest-list” de fãs “mainstream”.
(2008)
29 August 2008
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3 comments:
desde a semana passada que estou a tentar perceber se querias mesmo dizer My Bloodless Valentine, e se não percebi a piada, ou se foi um deslize. esclarece-me, por favor.
My Bloodless Valentine, mesmo! As in, My Bloody Valentine anémico.
Para teu conforto, houve mais quem tivesse essa dúvida. Tenho de começar a pôr "notas de leitura", é o que é...
(claro que, no label, pus My Bloody Valentine)
"As in, My Bloody Valentine anémico."
ou de sanguinho aguado, ou de sanguinho água pé.
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