28 June 2008

ACADEMIA: ART & SOUL



My Brightest Diamond - A Thousand Shark’s Teeth




Joan As Police Woman - To Survive

Quando, há dois anos, foi publicado Bring Me The Workhorse, de Shara Worden/My Brightest Diamond, e, em simultâneo, Begin To Hope, de Regina Spektor, os pontos comuns da biografia de ambas permitiram que, sem esticar demasiado a lógica, os dois álbuns fossem tratados no mesmo texto. Uma e outra provinham de famílias musicais e, com currículo académico de conservatório (estudo da música de Purcell e Debussy na University of North Texas e aulas de canto operático em Nova Iorque para Worden, e, da Moscovo natal aos Purchase College e Manhattan School Of Music, uma licenciatura em piano, no caso de Spektor), tinham acabado por se dedicar a variantes distintas do idioma pop/rock, demonstrando como não é uma fatalidade que a atmosfera erudita das salas de aula conduza à amputação de uma criatividade menos universitariamente configurada.



Também por essa altura, em 2006, era editado Real Life, o álbum de estreia de Joan Wasser (aliás, Joan As Police Woman), outra ilustre frequentadora daquelas instituições cujas paredes transpiram a tradição clássica europeia: aulas de piano desde os seis anos e de violino a partir dos oito, prosseguidas na Universidade de Boston (sob a orientação de Yuri Mazurkevich, discípulo de David Oistrakh) onde, naturalmente, integrou a Boston University Symphony Orchestra. É, portanto, quase inevitável que, agora que My Brightest Diamond e Joan As Police Woman chegam aos respectivos segundos álbuns, estes, exactamente pelos mesmos motivos, voltem a ser igualmente emparelhados. O mais interessante, no entanto, é que, tal como já sucedia com Worden e Spektor, sejam bastante mais significativas as diferenças entre eles do que qualquer hipotético elo espiritual “académico” que os reunisse.



Concebido ao mesmo tempo que Bring Me The Workhorse (num processo que vem desde 2002), A Thousand Shark’s Teeth deveria ter sido o segundo painel para quarteto de cordas do díptico que os dois constituiriam. Na verdade, cresceu para um elenco final de cerca de vinte elementos – secções de cordas, guitarras, vibrafones, clarinetes, corne inglês, harpa – que dá corpo orquestral às magníficas peças de Shara Worden, algures entre o que poderia ter sido uma Kate Bush imensamente menos afectada, Björk, Jeff Buckley, e tudo o que ela própria enumera como pontos de referência: Lewis Carroll, Tom Waits, os filmes de Jean Pierre Jeunet, a pintura de Anselm Kiefer, a fotografia de Robert ParkeHarrison, Maurice Ravel e Tricky (aos dois últimos, cita-os explicitamente em “Black & Costaud” e “Like A Sieve”). Se Workhorse foi uma estreia memorável, Shark’s Teeth não apenas a confirma integralmente como é, seguramente, um dos enormes álbuns deste ano.



To Survive é de outra estirpe: a dos “singer-songwriters”, na tradição de Joni Mitchell, Carole King ou Laura Nyro, uma espécie de soul branca sofisticada (pensem em Nina Simone mas também em Cat Power ou Mary Margaret O’Hara), criada por quem já pisou estúdios e palcos ao lado de Lou Reed, Tanya Donelly, Sparklehorse, Antony & The Johnsons e Rufus Wainwright (integrou as bandas de ambos). Repescar a ideia de “torch song” – despida de adereços, excesso de maquilhagem e luxo de guarda-roupa – não será demasiado despropositado num álbum de maioritariamente belas canções onde, com alguma surpresa, Wasser troca preferencialmente o violino pelo piano e David Sylvian e Rufus (discretíssimo como lhe fica melhor) contribuem vocalmente em duas faixas.

(2008)

1 comment:

gorgulho said...

Alguém que aprecie Anselm Kiefer não pode ser mau de todo; vou já sa... errr digo comprar.