27 April 2008

O MAL PURO


Quando, vitimado por uma “febre má”, a 24 de Novembro de 1870 e aos 24 anos, Isidore Lucien Ducasse morreu no hotel do número 7 do Faubourg Montmartre, em Paris, já teria muito boas razões para suspeitar que, como bastante mais tarde afirmaria Philippe Sollers, no “Le Monde”, Os Cantos de Maldoror eram um livro que havia sido escrito “secretamente para seis ou sete (no máximo) indivíduos por século”. De facto, as raríssimas reacções que, à época, o livro suscitou foram todas severamente negativas e não surpreende que assim tenha sido: à excepção das portentosas profanações coreográficas filosófico-sexuais do Divino Marquês, dificilmente se encontrará um tão violento concentrado do Mal e em estado tão transparentemente puro como aquele que o “conde de Lautréamont” verteu para o papel abrindo uma via directa e inteiramente desobstruída, do caldeirão de pesadelos do seu subconsciente para o mundo cá fora. Se Dylan cantou “if my thought-dreams could be seen, they'd probably put my head in a guillotine”, Ducasse fê-los jorrar em turbilhão para os Cantos e, à beira da Comuna de Paris, arranjou forma de iludir a lâmina e os tumultos sociais, extinguindo-se por outros motivos.



Seria necessário que, só muito posteriormente, Alfred Jarry, os Surrealistas e, por fim, os Situacionistas exumassem a sua obra para que ela conquistasse um lugar vitalício no cânone dos danados e, aí mesmo, enquanto precursora de todas as escavações de profundidade extrema pelos abismos do espírito. Dito isto, seria muito de estranhar que, mais tarde ou mais cedo, o pestífero Maldoror não acabasse por achar o caminho que o levaria à obra gravada dos Mão Morta que – particularmente em sintonia com as mais tensas vibrações mentais – já registam em currículo Müller no Hotel Hessischer Hof (1997), Há Muito Que Nesta Latrina O Ar Se Tornou Irrespirável (1998, sobre a intervenção Situacionista) ou Nus (2004, em torno da literatura “beat”). Porém, se, segundo o editor Léon Genonceaux, Ducasse “escrevia apenas de noite, sentado ao piano, declamando furiosamente o texto enquanto martelava as teclas e proferia novas estrofes sobre essas sonoridades”, neste seu último volume, o grupo de Adolfo Luxúria Canibal, optando por uma encenação musical de pendor tendencialmente “atmosférico”, falha seriamente no estabelecimento do “mood” psicótico e demencial que os textos reclamavam e que apenas sobrevive no gume violento da declamação. (2008)

4 comments:

Anonymous said...

O próximo disco será centrado em quê? No "Novo Cancioneiro"?

Que attention whore é esse Adolfo.

Anonymous said...

Tem piada que tinha postado no gozo sobre o próximo disco, sem ver isto..

Eu gosto do Adolfo, mas ele só vai buscar os "malditos"...

João Lisboa said...

"Eu gosto do Adolfo, mas ele só vai buscar os "malditos"..."

You got a point there. Desafio, desafio era ele, agora, encenar uma recolha de textos da Margarida Rebelo Pinto.

Anonymous said...

lol!!!