14 February 2008

CATEDRAL SUBMERSA



Robert Wyatt & Friends - Theatre Royal Drury Lane,
Sunday 8th September 1974


Sempre que sou submetido ao interrogatório-tipo "Qual é o disco da sua vida?" ou, em alternativa, "Qual o melhor álbum de sempre?", invariavelmente hesito, perdido pelo meio de uma lista onde Colossal Youth (Young Marble Giants), Music For A New Society (John Cale), Songs Of Love And Hate (Leonard Cohen), Highway 61 (Bob Dylan), The Ascension (Glenn Branca), The Velvet Underground & Nico ou I Want To See The Bright Lights Tonight (Richard & Linda Thompson) vão entrando e saindo da "shortlist" à medida das circunstâncias de temperatura e pressão ou dos ângulos de incidência da luz no momento. Mais uma outra boa dúzia de candidatos se pode ainda perfeitamente perfilar, à espera de substituir algum dos anteriores mas, para além de todos esses, existem sempre dois que não arredam pé: Astral Weeks, de Van Morrison, e Rock Bottom, de Robert Wyatt.



Este último, está, entretanto, muito para além de ser apenas um favorito pessoal: segundo álbum a solo de Wyatt, após The End Of An Ear (1970) e a discografia a bordo dos Soft Machine e Matching Mole, é um daqueles momentos únicos em que, no interior daquilo a que (pouco perspicazmente) se chamou "progressive rock", a música transcendeu inexoravelmente todas as categorias. A voz e as composições de Wyatt, um colectivo de músicos reunido sob uma conjunção astral irrepetível, tocando por pura telepatia, e uma atmosfera de catedral submersa, engendraram algo que nunca antes se havia escutado e que não mais voltou a acontecer. Não é, pois, de admirar que o lendário concerto de apresentação do álbum (a 8 de Setembro de 1974, cerca de um ano depois do acidente que confinou Wyatt a uma cadeira de rodas) se tenha tornado objecto de culto, multiplicado, até hoje, em inúmeros "bootlegs". Ei-lo, então, finalmente, disponível em publicação "oficial" e só restará dizer que valeu inteiramente a espera: Wyatt, Fred Frith, Hugh Hopper, Mongezi Feza, Gary Windo, Mike Oldfield, Ivor Cutler, Laurie Allan, Dave Stewart, Nick Mason e Julie Tippetts (ex-Driscoll) obedecem à determinação bíblica "Fiat lux!" e, percorrendo a totalidade de Rock Bottom acrescentada de composições anteriores de Wyatt, oferecem-nos um dos raríssimos "live" literalmente imprescindível. (2005)

6 comments:

Anonymous said...

esta história dos raríssimos «live» imprescindíveis tem o seu quê de curioso... Vai-se ver e o José Mário Branco ao vivo é essencial, o «weld» e o «unplugged» do Neil Young também são. O «live MCMXCIII» dos Velvet, idem idem aspas aspas. O mesmo para «sabotage/live» do John Cale, para o Dylan ao vivo em 1966, o «dream letter» do Tim Buckley, o dvd «vespertine/live» da Bjork, os Mão Morta no «muller no hotel hessischer hof» (gravado ao vivo), o dvd de Van Morrison «live at Montreux 74/80», etc, etc, etc. raro + raro + raro + raro + raro + raro + ... + raro = raríssimo?!

João Lisboa said...

Pois é, mas, por cada um desses, há 1000 que são um colar de bocejos.

Anonymous said...

Concordo consigo, mas isso também acontece com os discos de estúdio. E não é costume ouvir comentários do género: «um dos raríssimos discos (de estúdio) realmente imprescindíveis»... Não leve a mal.

João Lisboa said...

Porque havia de levar a mal?

O problema é que há muitos bons, muito bons e óptimos discos de estúdio e, realmente, muito poucos live que não sirvam apenas para "encher" vazios entre álbuns de originais, disfarçar writer's blocks, rentabilizar duas ou três vezes o mesmo reportório, etc, etc.

Anonymous said...

Ok. É capaz de ter razão. Realmente com os registos «live» fica-se, quase sempre, com a sensação «já contribuí para este peditório». Obrigado e assunto encerrado.

Anonymous said...

Juntem lá + estes: Stop Making Sense, Europe 1993 da PJ Harvey (já que falamos de bootlegs) e Live in Tokyo de Nico. Dos Velvet prefiro o 1969 e não é pela capa, concerteza.

Manuel Carvalho