03 January 2008

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXVII)



"Vamos acabar todos no Exército da Salvação. Na música popular tudo se enterra para voltar a ser desenterrado mais tarde. A primeira coisa que um músico faz é espiolhar discos antigos no Exército da Salvação. Se estivermos abertos a experiências novas, descobrem-se lá coisas incríveis. É uma lição de história.

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"Uma vez que tenhamos ouvido Captain Beefheart, é difícil vermo-nos livres dele. Deixa nódoas como o sangue ou o café. A música dele encorajou muito gente a meter-se num casulo e a sair de lá de dentro muito diferente de quando entrou. Mas não é só o Beefheart... Gosto de Tricky, dos Staple Singers, Sister Rosetta Tharpe, Charley Patton... Começamos por ser a soma destas partes e, a certa altura, temos de decidir quando nos tornámos numa bela sopa substancial".


1999


"Podemos sempre contar uma história no interior de uma canção. Toda a gente é capaz de escrever canções-de-saltar-à-corda. Desenvolvem-se e ficam assim com a forma de pedras ou emigram como se fossem sementes. São como moldes de plasticina, como contentores. Não sabemos como classificá-las. Mas este ofício é como outra coisa qualquer. Tem sempre de se tomar decisões acerca do que incluir e do que deixar de fora.

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Sister Rosetta Tharpe - Up Above My Head

"Originalmente, as canções dos escravos eram uma forma de comunicação e continham imensa informação secreta que as pessoas que não possuíam nenhum poder nem acesso às tipografias transmitiam entre si para passar ideias e exprimir os seus sentimentos. É o caso de 'Wade In The Water' que se pensava ser acerca do ritual do baptismo. Era, de facto, assim, dissimulada, mas o que pretendia era fazer saber aos outros escravos que alguém tinha fugido: tinha cortado as grilhetas, ia pelo rio abaixo e era preciso encobri-lo. Hoje, parece-me que as canções ainda têm uma função vital, em certa medida ainda transmitem informação. Mas o que eu mais gosto nos tipos do rap é que, provavelmente, a maioria deles chumbou a inglês.

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"Quando fazia as primeiras partes dos concertos do Frank Zappa, sentia-me como se me tivessem atirado para ali com o Igor Stravinsky. Ele tocava em pavilhões de hóquei com cartões no chão para que as pessoas se pudessem sentar em cima do gelo. Eu aparecia à frente de 5000 pessoas, numa floresta de crómio, e tocava durante trinta minutos. Sentia-me como um termómetro rectal. O Frank dizia-me, 'Então, como é que está o público?' e eu respondia-lhe 'É o teu público, Frank'. Eles supunham que ele queria que fizessem pouco de mim e eu era uma prenda. Era o macaquinho amestrado. Mas foi bom. Foi o meu ponto de partida. As coisas não têm que ser fáceis. Não tinha que saltar para fora da caixa, vender um milhão de discos e andar de limusine aos vinte e um anos. Foi como devia ter sido.

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2002

(2008)

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