TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXVI)
"Continuo a não pagar mais de sete dólares por um fato. No princípio, quando ia para a estrada, era muito supersticioso; usava no palco o mesmo fato que vestia fora dele. Muitas vezes, partíamos de manhã, muito cedo. Detestava todo aquele ritual de ter de me vestir. Por isso, na maioria das vezes, deitava-me na cama de fato e sapatos, pronto a levantar-me a qualquer hora. Puxava o cobertor por cima de mim e dormia vestido. Fiz isso durante muitos anos. Só parei quando me casei. A minha mulher não vê isso com bons olhos. Sempre que ela sai por uns dias, visto um fato e meto-me na cama. Mas ela dá sempre por isso.
(...)
"A minha teoria é que as canções têm de ser anatomicamente correctas. Precisam de ter um clima, o nome de uma cidade e, habitualmente, alguma coisa que se coma — no caso de sentirmos fome.
(...)
"Tenho aqui algumas respostas. Poderão não ser adequadas às suas perguntas mas não é por isso que deixam de ser respostas.
(...)
"Ouvi 'Nessun Dorma' uma noite, na cozinha dos Coppola com o Raul Julia, e essa ária mudou a minha vida para sempre. Nunca a tinha ouvido. O Coppola perguntou-me se a conhecia, disse-lhe que não, e foi como se lhe tivesse dito que nunca tinha comido esparguete com almôndegas — 'Oh meu deus, oh meu deus!'. Pegou em mim, levou-me até ao jukebox (havia um jukebox na cozinha), pôs o disco a tocar e deixou-me ali. Foi como dar um charuto a um puto de cinco anos. Fiquei todo azul e chorei que nem uma Madalena.
(...)
"Thelonious Monk dizia que não existem notas erradas, é só uma questão de saber como as resolver. Ele quase soava como um puto a ter lições de piano. Comprendi isso perfeitamente quando comecei a tocar piano, porque ele desconstruía a música à medida que a ia tocando. Como que desmistificava a música pois há sempre uma certa veneração tanto em relação ao jazz como às outras músicas, a ponto de, a partir de certa altura, ser um bocado como o código da estrada, a música passa a ser secundária em relação às regras. É como a fotografia aérea que nos diz como devemos fazer as coisas. Acontece o mesmo com a folk. Experimentem tocar com um grupo de bluegrass e tentar introduzir ideias novas... Mais vale esquecer. Olham para ti como se fosses comunista.
(...)
1999
(2007)
11 December 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
3 comments:
A observação do Waits sobre o Monk é das coisas mais bonitas (e acertadas) que alguma vez li sobre o pianista. Aliás, tudo o que o autor de "Swordfishtrombones" diz, escreve ou canta é digno de nota. Genial, claro.
Abraço,
VA
fiquei um bocadinho mais perto dele, sentimos semelhante 'Nessun Dorma'. Achei bonito. No fundo, no fundo há uma enorme diferença entre o sentir semelhante com a primeira audição de 'nessun dorma' e (por ex.)o sentir semelhante um golo que leva a equipa à fase seguinte da liga ou da taça...
hmmm, não me parece que ele seja o homem que sabia demasiado, o homem que sabia demasiado.
Post a Comment