27 October 2007

HAIL TO THE THIEF!


Radiohead - In Rainbows

Não foi uma anónima banda de garagem dos subúrbios de Bolton, a lançar o barro à parede, na esperança de que o mundo repare nela. Não foi nenhum “geek”, adepto do bricolage electrónico, com o estúdio doméstico entalado entre a cama e a mesinha de cabeceira. É importante que se tenha a noção exacta da dimensão dos protagonistas do acto: os Radiohead são os autores de Ok Computer (1997), merecida ou imerecidamente, alojado instantaneamente em inúmeras listas de “all time-best albums”, dono de um Grammy para “Best Alternative Music Album”, trepador de inúmeras tabelas de vendas e mais ou menos unanimente considerado como o paradigma de um “neo-prog” contemporâneo; os mesmos Radiohead que, com Kid A (2000, mais um Grammy na mesma categoria), Amnesiac (2001) e Hail to The Thief (2003), arrebataram outros tantos prolongados primeiros lugares, pratas, ouros e platinas – e correspondentes milhões de lucros – nos “rankings” de circulação comercial de discos; uma banda, enfim, que, se quisermos procurar um paralelo viável, se poderia dizer que terá, hoje, um estatuto comparável ao dos Pink Floyd por altura de The Dark Side Of The Moon.


Foram, então, esses Radiohead que, na quarta-feira 10 de Outubro, se tornaram responsáveis por aquilo que, três dias antes, o “Times” designava como “The day the music industry died”: após, durante quatro anos, terem deixado a sua vasta legião de fãs à míngua de música, publicam o novo álbum, In Rainbows, colocando-o disponível para “download” na sua página da Internet, “ao preço que cada um quiser pagar”! Um cêntimo ou um milhão de libras, tanto faz. Tradução rápida e evidente: uma das mais notórias bandas mundiais assume publicamente que, para o bem e para o mal, a música gravada é já, tendencialmente, gratuita e que a única forma de minimizar os prejuízos é usar as armas do “inimigo”, passando a encarar o CD (físico ou virtual) como mero material de promoção para o que realmente conta – os concertos. “O que cada um quiser pagar” não só é, obviamente, simbólico (ainda que, segundo números não oficiais, até dia 12, tenham sido descarregados 1.2 milhões de cópias digitais, por uma generosa “doação” média de 8 dólares), como nem isso impediu que, no mesmo instante em que In Rainbows era oficialmente revelado, ele pudesse ser também logo pirateado por zero cêntimos nos lugares habituais (também não oficialmente, 1/3 do total de “downloads”).



Enquanto estratégia de “marketing”, deverá ser considerada, desde agora mesmo, exemplo obrigatório de “textbook”. Até porque o “espírito dos tempos” não sopra noutra direcção senão nessa: a vertinosa queda nos números de vendas de CD, nesta década, não pára de acelerar (no último ano, menos 10% em Inglaterra, 25% em França, 35% no Canadá); a cadeia de lojas HMV anunciou que, nos seis primeiros meses de 2007, as vendas se reduziram em 50% e Richard Branson, após prejuíxos de 50 milhões de libras, declara o óbito das Virgin Megastores; a EMI (cujo número de funcionários, em dez anos, a nível mundial, encolheu de 10 000 para 4 000) adquirida pelo grupo financeiro Terra Firma, vale, actualmente, um terço do que representava em 1997; paralelamente, a partilha de ficheiros ilegal pulveriza diariamente recordes (e torna risíveis todas as investidas “repressivas” sobre milhares de milhões de corsários) enquanto os números de público presente em concertos (com bilhetes a preços que, no caso dos Police e Rolling Stones, variavam entre as 70 e 150£), no Reino Unido – até ao final deste ano, 450 festivais de música –, cresciam 11%. Exemplo concreto: adquirir, agora, a discografia completa de Madonna fica por menos de metade do preço do bilhete mais caro (160£) para o seu concerto em Wembley, no Verão passado.


Bom, mas e o álbum propriamente dito? Primeiro, deve dizer-se que, para os sobreviventes coleccionadores indefectíveis do objecto físico, a partir de 3 de Dezembro, poderão encomendar uma “box” luxuosa com diversas faixas-extra, cópias em vinil e artwork caprichado, por umas valentes 40£. Há que continuar a jogar em todos os tabuleiros… A música, essa, para quem sempre preferiu os Radiohead como ponto de intersecção entre o “prog-rock” clássico e a neblina britânica de 80 que pairou entre Manchester e Liverpool e se sentiu defraudado com o (bastante mais entusiasmante) experimentalismo de Kid A e Amnesiac, é, em boa medida, um regresso às origens, instrumentalmente imaculado – o tipo acabado de álbum onde cada encadeamento de acordes, cada “subplot” rítmico, cada plano sonoro, está destinado a ser citologicamente analisado pela tribo “muso” –, amadurecido, mas demasiado preocupado com a arte final em detrimento da substância musical: à excepção de “Reckoner”, “Faust Arp” e “Weird Fishes/Arpeggi” (o que ficará realmente do álbum), o “doodling” ambiental predomina sobre a arquitectura excessivamente lassa das canções, o que o timbre vocal anemicamente neurótico de Thom Yorke acentua ainda mais severamente. Pirueta irónica final, a desmontar toda a nova lógica “CD gratuito/concertos rapidamente e em força”: segundo um porta-voz dos Radiohead, “Talvez eles, para o ano, se apresentem ao vivo meia dúzia de vezes. É que o Thom gosta muito pouco de tournées…”.
(2007)

4 comments:

Anonymous said...

Eu tenho uma proposta mais revolucionária que a dos Radiohead, só que ninguém me ouve. Financia-se a investigação científica em medicina, aumentando a esperança média de vida para o dobro, e depois ouvimos os discos quando passarem a domínio público.

João Lisboa said...

Não dava: aumentando a esperança média de vida para o dobro, o período de tempo até que uma obra caísse em domínio público aumentaria também. Vais ter de afinar melhor essa teoria.

Anonymous said...
This comment has been removed by the author.
Anonymous said...

eheh! Era uma piada...(fraquita muito fraquita)