DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (XII)
OS SUSPEITOS DO COSTUME
Vashti Bunyan - Lookaftering
A história (com "h" minúsculo e maiúsculo) começa a repetir-se demasiado enjoativamente. E segue, essencialmente, este plano narrativo: 1) músico dos anos 60/70 grava álbum que, na altura, é "barbaramente" ignorado; 2) durante décadas, garantem-nos, os raros exemplares sobreviventes são ciosamente guardados por um "inner circle" de iniciados que, não só os veneram como se do próprio prepúcio de Jeshua se tratasse, mas ainda os copiam e fazem circular clandestinamente, de mão em mão, espalhando a boa nova; 3) quando, no grande desígnio cósmico, finalmente, os astros são favoráveis ao acolhimento e consagração pelo povo eleito, o álbum é reeditado e criticamente recebido por coros de "hossanas" que louvam o génio miseravelmente ignorado pelos coevos mas, agora, justamente elevado à sua merecida e transcendente dimensão. A coisa tende a passar-se na área folk e regiões limítrofes (já lá vamos) mas não lhe está necessariamente circunscrita. Decisivo mesmo é que a(s) criatura(s) em causa seja(m) irremediavelmente obscura(s) por causa da indispensável aura de "artista maldito". Aconteceu recentemente com First Utterance, dos Comus (1971), Red Hash, de Gary Higgins (1973), e também com Just Another Diamond Day, de Vashti Bunyan (1970) que é o que, agora, nos interessa.
É um típico episódio dos patéticos "golden sixties": jovem estudante de Arte é expulsa da escola e entrega-se à música; uma ou duas almas penadas qualificam-na como "a nova Marianne Faithfull" ou "o Bob Dylan feminino"; nada acontece; a jovem estudante, por intermédio do amigo Donovan (para os menos íntimos: "o Bob Dylan britânico" de então), tem notícia de que o paraíso hippie existe e está localizado na ilha de Skye; com um cão, um namorado, uma guitarra e uma carroça de ciganos, viaja até ao jardim do Éden para, à chegada, descobrir que as crianças floridas se tinham já aborrecido de tanta felicidade e regressado a Babilónia; após mais uma expedição ao Lake District (bom gosto tinha ela), grava álbum com notáveis da folk (Dave Swarbrick, Simon Nicol, Robin Williamson), produzido por Joe Boyd; nada acontece; filhos, "vida no campo" e trinta anos de solidão; 2000 — reedição do álbum e glória. Suspeitos? Os do costume: a catatua Newsom, as manas Coco, o profeta Banhart (isso, "free-folk", "psych-folk", "freak-folk", ou lá o que é). Com direito a segundo álbum — este —, aos 60 anos, e prévio EP (Prospect Hummer) com os Animal Collective. Como eram (e são, porque se mantêm exactamente iguais), então, as canções de Vashti Bunyan? O género de vestidinho de chita musical para meninas de tranças e malmequeres no cabelo, entoada por uma voz incapaz de perturbar o hálito de libélulas. Não há paciência. (2005)
4 comments:
não é por estar no final (que eu li tudo com muita devoção) mas, (e pode ser defeito meu) não estou a conseguir imaginar nada que possa 'perturbar o hálito de libélulas' que não seja introduzido à bruta. João, as libélulas não abrem a boquinha, reservam-se de mucosas estranhas e contaminações. Essas pudicas.
retiro o que disse. Quem as chamou de 'caballitos del diablo' deve saber muito mais do que eu. (glup)
Tu não me digas que foste googlar as libélulas...
Mas não era preciso: quando um homem quer, as libélulas ululam, as lesmas praticam triplo-salto e as osgas tricotam.
fui. de repente achei que podia estar a exagerar...
Já sei, já sei, nada é exagero. :)
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