23 October 2007

DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (XII)

OS SUSPEITOS DO COSTUME



Vashti Bunyan - Lookaftering

A história (com "h" minúsculo e maiúsculo) começa a repetir-se demasiado enjoativamente. E segue, essencialmente, este plano narrativo: 1) músico dos anos 60/70 grava álbum que, na altura, é "barbaramente" ignorado; 2) durante décadas, garantem-nos, os raros exemplares sobreviventes são ciosamente guardados por um "inner circle" de iniciados que, não só os veneram como se do próprio prepúcio de Jeshua se tratasse, mas ainda os copiam e fazem circular clandestinamente, de mão em mão, espalhando a boa nova; 3) quando, no grande desígnio cósmico, finalmente, os astros são favoráveis ao acolhimento e consagração pelo povo eleito, o álbum é reeditado e criticamente recebido por coros de "hossanas" que louvam o génio miseravelmente ignorado pelos coevos mas, agora, justamente elevado à sua merecida e transcendente dimensão. A coisa tende a passar-se na área folk e regiões limítrofes (já lá vamos) mas não lhe está necessariamente circunscrita. Decisivo mesmo é que a(s) criatura(s) em causa seja(m) irremediavelmente obscura(s) por causa da indispensável aura de "artista maldito". Aconteceu recentemente com First Utterance, dos Comus (1971), Red Hash, de Gary Higgins (1973), e também com Just Another Diamond Day, de Vashti Bunyan (1970) que é o que, agora, nos interessa.



É um típico episódio dos patéticos "golden sixties": jovem estudante de Arte é expulsa da escola e entrega-se à música; uma ou duas almas penadas qualificam-na como "a nova Marianne Faithfull" ou "o Bob Dylan feminino"; nada acontece; a jovem estudante, por intermédio do amigo Donovan (para os menos íntimos: "o Bob Dylan britânico" de então), tem notícia de que o paraíso hippie existe e está localizado na ilha de Skye; com um cão, um namorado, uma guitarra e uma carroça de ciganos, viaja até ao jardim do Éden para, à chegada, descobrir que as crianças floridas se tinham já aborrecido de tanta felicidade e regressado a Babilónia; após mais uma expedição ao Lake District (bom gosto tinha ela), grava álbum com notáveis da folk (Dave Swarbrick, Simon Nicol, Robin Williamson), produzido por Joe Boyd; nada acontece; filhos, "vida no campo" e trinta anos de solidão; 2000 — reedição do álbum e glória. Suspeitos? Os do costume: a catatua Newsom, as manas Coco, o profeta Banhart (isso, "free-folk", "psych-folk", "freak-folk", ou lá o que é). Com direito a segundo álbum — este —, aos 60 anos, e prévio EP (Prospect Hummer) com os Animal Collective. Como eram (e são, porque se mantêm exactamente iguais), então, as canções de Vashti Bunyan? O género de vestidinho de chita musical para meninas de tranças e malmequeres no cabelo, entoada por uma voz incapaz de perturbar o hálito de libélulas. Não há paciência. (2005)

4 comments:

ND said...

não é por estar no final (que eu li tudo com muita devoção) mas, (e pode ser defeito meu) não estou a conseguir imaginar nada que possa 'perturbar o hálito de libélulas' que não seja introduzido à bruta. João, as libélulas não abrem a boquinha, reservam-se de mucosas estranhas e contaminações. Essas pudicas.

ND said...

retiro o que disse. Quem as chamou de 'caballitos del diablo' deve saber muito mais do que eu. (glup)

João Lisboa said...

Tu não me digas que foste googlar as libélulas...

Mas não era preciso: quando um homem quer, as libélulas ululam, as lesmas praticam triplo-salto e as osgas tricotam.

ND said...

fui. de repente achei que podia estar a exagerar...
Já sei, já sei, nada é exagero. :)