15 October 2007

DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (XI)

FILOSOFIA GREGA



Devendra Banhart - Smokey Rolls Down Thunder Canyon

Eis-nos perante uma questão hermenêutica assaz bicuda: a) Devendra Banhart admite publicamente que o elemento catalisador para Smokey Rolls Down Thunder Canyon foi a sua separação de Bianca Cassady, uma das duas manas Coco; b) quase no mesmo fôlego, informa-nos que “um filósofo grego, talvez Aristóteles, um desses gajos, disse que a alma é húmida e que tudo o que é seco representa o mal. Portanto, a masturbação é uma arma contra o mal e é por isso que vemos tantos pénis na arte grega. O esperma, sendo húmido, é uma protecção, uma metralhadora que possuímos para nos defender contra a secura e, consequentemente, contra todos os males”.

É exactamente este o ponto em que o rigor exegético nos obriga a uma crucial interrogação: deveremos estabelecer uma relação de causa e efeito entre a) e b), constituindo o álbum o nexo explicativo ou, talvez mais precisamente, a prova material ela mesma, que demonstra factualmente que de uma coisa decorreu necessariamente a outra? A interpretação parece inteiramente plausível, tanto pelo que resulta da escuta de Smokey Rolls Down Thunder Canyon como pela revelação complementar segundo a qual “este foi o pior ano da minha vida”. Há karmas terríveis e o de Banhart não é dos mais fáceis: filho de uma devota do Guru Maharaji Pram Rawat que, previsivelmente, o baptizou como Devendra (isto é, “Rei dos Deuses”), por volta dos nove anos, forças que não comandava conduziram-no a entrar no quarto da mãe e a experimentar um dos vestidos dela, instante místico transfigurador que mudaria para sempre a sua vida: “Transformei-me numa mulher o que, praticamente, me autorizou a cantar, utilizando aquela outra parte de mim. Senti como se tivesse desbloqueado o lado feminino da minha alma. Nunca me tinha sentido particularmente talentoso, nunca me tinha visto como músico, por isso, precisava de alguma coisa, dentro ou fora de mim, que me desse essa permissão”.



Para o autor da dificilmente esquecível linha poética “comiendo una peira en Santa Maria de la Feira”, esse foi o momento catártico que (podendo também, eventualmente, contribuir para compreender melhor o desentendimento com a mana Bianca), anos mais tarde – após outras experiências enriquecedoras como aquela em que, na companhia dos índios Ianomani da Amazónia (entre os quais, segundo notícias recentes, existirão, aparentemente, 200 militantes do PSD), tripou desvairadamente sob o efeito do Yopo -, o levaria a gravar álbuns como Oh Me Oh My... The Way The Day Goes By The Sun Is Setting Dogs Are Dreaming Lovesongs Of The Christmas Spirit (2002), Rejoicing In The Hand (2003), Niño Rojo (2004) e Cripple Crow (2005), textos sagrados e pedras inaugurais do “freak-folk”. Smokey surge, então, como porto de abrigo de um doloroso calvário existencial que, inevitavelmente, lhe pulverizou a personalidade – será ele Caetano Veloso? Neil Young? Manu Chao? Carmen Miranda? Marc Bolan? Bing Crosby “on acid”? – mas lhe proporcionou, por fim, algum alívio. Será um alívio solitário mas, por agora, terá de servir. (2007)

4 comments:

ND said...

uma pessoa a divertir-se assim nunca mais chega à fase de que fala o Eco.

João Lisboa said...

Pá, tens de dar umas pistas às pessoas para elas compreenderem do que falas:

http://coisaruim.blogspot.com/2007/09/no-preciso-acelerar-o-tempo.html

Anonymous said...

"Transformei-me numa mulher o que, praticamente, me autorizou a cantar, utilizando aquela outra parte de mim."

Não seria mais apropriado designar a corrente estética representada pelo Devendra de "tranny-folk" em vez de "freak-folk"?

Anonymous said...

A foto pelo menos ficaria ótima neste site:http://thesortorialist.blogspot.com/
O penteado já revela tudo.