DELIBERADAMENTE EM ATRASO
Caetano Veloso - Noites do Norte
Pronto, Caetano, fiz-lhe a vontade. Creio que a sua editora não irá achar muita graça ao facto de eu só ter escrito acerca do seu novo disco um mês depois de ele ter sido publicado — afinal, são ou não são os seus patrões que criam úlceras de estômago com a angústia de, a cada nova edição, as recensões críticas sairem a tempo e horas da colocação do "produto" (é como eles chamam à sua música, sabia?) no "mercado" e de tudo isso coincidir num esquema de marketing perfeitamente montado? — mas achei que lhe devia fazer a vontade. Especialmente depois de ter lido a sua entrevista na Net onde, com carradas de razão, se atirava, de unhas de fora, sobre o "enfraquecimento da instância crítica", sobre os textos jornalísticos que "parecem 'releases' dos lançamentos" e sobre as "críticas pequenininhas e escritas sem tempo" que só deveriam ser redigidas quando o seu autor tivesse "algo a dizer de interessante".
Claro que sei que não estava a falar comigo, eu que nunca liguei a menor importância a esse patético e infantil reflexo jornalístico de "eu cheguei primeiro, eu sou o dono da notícia" e que, por exemplo, há dez anos, passei semanas sem ser capaz de escrever uma única linha a propósito de Wrong Way Up de John Cale e Brian Eno porque não era capaz de me convencer que um disco daqueles dois pudesse ser tão mau como me parecia. Mas, se calhar, em vez de dirigir o tiro sobre a crítica (que, evidentemente, também tem culpas), faria melhor se o apontasse sobre quem, aqui em Portugal, lançou o seu magnífico Noites do Norte a meia dúzia de dias do Natal e dos seus previ$ívei$ pre$ente$. E se toda a crítica tivesse seguido os seus conselhos (posso informá-lo que não seguiu: mais ou menos à pressa, o seu disco foi, por sinal, bastante louvado e razoavelmente comprado) e ninguém tivesse tido notícia e opinião acerca da existência de um novo álbum de Caetano Veloso? Não iria você pôr-se a pensar acerca dos malefícios que a negligência e a incompetência podem exercer sobre a divulgação de uma obra de arte?
A verdade é que tudo isto é uma pena. Porque o que realmente conta é a música que você faz, que nós gostamos de ouvir e que francamente preferimos a muito daquele "produto" comercial perante o qual o Caetano manifesta uma, por vezes inexplicável, indulgência. Mas, falando do seu disco, gosto mesmo muito dele. Não me parece (desculpe mas só o escutei uma dúzia de vezes) tão extraordinariamente transcendente como Livro mas, nesse exercício virtuoso de permanente curto-circuito entre cultura "high brow" e "low brow" que você favorece — e que, você sabe-o bem e fá-lo ainda melhor, nada tem a ver com condescendência em relação ao "gosto do povo" —, nessa radical mestiçagem de referências, é aquilo a que nos habituámos a chamar uma obra-prima. "Michelangelo Antonioni" é pura metafísica sonora, "Rock'n'Raul" é outro poderoso e eloquente manifesto, "13 de Maio", "Zumbi", "Cobra Coral" e "Cantiga de Boi" são, musical e literariamente, exemplos notáveis do que já foi chamado "primitivismo futurista" e, de um modo geral, não restam dúvidas que um dos maiores autores de língua portuguesa de sempre (e não estou a falar apenas de música) continua vivo e criativo no século que agora começou. Só lamento que me tenha restado tão pouco espaço para falar da sua música. Mas é que, sabe, aqui na redacção há limites gráficos que é preciso respeitar e você obrigou-me a tocar noutros assuntos... (2001)
10 October 2007
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