13 September 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XII)



"Há uma semana, fiz uma experiência em que só usámos viola de arco, contrabaixo e violoncelo. Criámos uma espécie de colónia de formigas pontilhista. Aconteceu tudo muito espontaneamente. Às vezes, dá resultado combinar músicos de orquestra com outros que tocam na estação do metro. Através desse conflito de escolas, chegamos a sítios inesperados, zonas libertadas, vamos cair naqueles triângulos das Bermudas de ritmo e melodia. E, nos últimos tempos, são esses os lugares que eu mais gosto de visitar.

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"Eu digo mentiras?!... Não, digo sempre a verdade. Menos à polícia. É um reflexo antigo.

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"Não tenho paciência para aquelas pessoas que envernizam o que escrevem. Gosto que me digam que havia pastilha elástica colada por baixo da mesa, coisas assim... Para se escrever boas canções é preciso ser-se uma espécie de detective privado. Numa canção, prefiro que um tipo me diga que foi à farmácia e não havia preservativos do que escreva que 'os rumos das nossas vidas se cruzaram na semente do universo'. Parece-me um bocado de lixo cósmico a mais...

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"Actualmente, considero-me um empregado de bomba de gasolina no desemprego, uma lenda no meu próprio espírito, uma espécie de rumor na minha época, um tumor na minha cabeça. Nem sequer estou à beira da notoriedade nacional.

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"Não conheço ninguém que tenha engatado uma miuda por ter um álbum do Tom Waits. Só eu tenho três e nunca me serviram de nada.

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"Já toquei em lugares onde a média de idades era 'falecido'.

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"Nunca passam as minhas canções na rádio. Tocam mais o Marcel Marceau do que me tocam a mim!

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"O Francis Ford Copolla é muito musical e é uma das pessoas mais calorosas, abertas, vulneráveis, loucas e imaginativas que conheci. Deu-me uma sala com piano, cortinados, forrada a madeira e com vista para a bomba de gasolina! Eu levantava-me de manhã, fazia a barba, vestia um fato e ia para o trabalho... Acho que não há ninguém como ele. É um vigarista e um pequeno ditador, um pássaro exótico, um professor, uma bailarina, um palhaço e um coleccionador de tralha. Faz um óptimo esparguete... é muito italiano. Francis Ford Mussolini. Adoro aquele homem.

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"Compor para o cinema é como escrever canções para o sonho de outra pessoa. Até 0ne From The Heart, escrever canções era uma coisa que eu fazia quando tinha estado a beber.

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"Las Vegas é um cemitério de artistas, uma paródia do sonho americano. É muito confuso. De manhã, podes estar a engraxar sapatos e, à noite, seres milionário. Mas, a maioria das vezes, é ao contrário.

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"Não vejo por que razão deveria desejar coisas que não compreendo por razões que não aceito. Ter um grande êxito significa fazer muito dinheiro e muitas pessoas saberem quem nós somos e isso não me parece que seja muito atraente. Não entendo a importância de ter a minha cara numa lancheira no Connecticut. Não vejo como é que, no grande esquema, isso possa ser um objectivo... Muita gente procura afecto e aceitação sob a forma de um grupo anónimo de pessoas que pensa que nós somos maravilhosos. Eu não quero escolher os meus amigos assim arbitrariamente.

(...)

1992

(2007)

6 comments:

Anonymous said...

"Numa canção, prefiro que um tipo me diga que foi à farmácia e não havia preservativos do que escreva que 'os rumos das nossas vidas se cruzaram na semente do universo'."

Acho que é por isto que o Bukowski é o meu "poeta" preferido.

ND said...

não estou nos melhores dias, é verdade, mas que raio quis ele dizer com: "a média de idades ser 'falecido'".
Quereria ele dizer gente que já devia ter morrido? ou sem ninguém?

João Lisboa said...

Quer dizer que o desgraçado do homem se fartou de tocar em sítios onde a maioria do público estava muito próximo de bater a bota... estás a imaginar a Grande Tournée Tom Waits dos Lares de 3ª Idade?

Isto, caso estejamos dispostos a fazer a profissão de fé de acreditar em tudo o que ele diz.

saturnine said...

pá... "Numa canção, prefiro que um tipo me diga que foi à farmácia e não havia preservativos do que escreva que 'os rumos das nossas vidas se cruzaram na semente do universo'. Parece-me um bocado de lixo cósmico a mais..."

abaixo todas as "xis ideias para pnesar" deste mundo. :)

Anonymous said...

é impressão minha ou o sujeito está um bocadinho "amassado" na photo?

Ana Cristina Leonardo said...

abaixo o lixo cósmico. assinado: Leopardo, a regressada