06 July 2007

TRANSCULTURAIS



Tinariwen - Amassakoul




Erik Marchand et Les Balkaniks - Pruna

Naqueles raros momentos em que "world music" significa algo mais do que apenas uma designação de "marketing" para impingir ao Ocidente a música do resto do mundo (ou aquela da antiga tradição do seu mundo) que ele imperialmente ignora, podem surgir álbuns como estes dois. Espontaneamente transculturais ou deliberadamente miscigenados. Amassakoul ("viajante") é a consequência musical inteiramente orgânica de um colectivo de combatentes armados tuaregues originários do Mali que — com passagem pelos campos de treino da Líbia de Kadhafi —, desde o final dos anos 70, não perderam tempo a distinguir o que era cantiga e o que era arma. Usaram ambas.



Aparentemente apaziguadas, desde 1996, as tensões políticas e sociais que estiveram na raiz da guerra civil no seu país, os Tinariwen prosseguiram a actividade como músicos de que Amassakoul é o mais recente testemunho: blues do deserto hipnóticos e circulares, recitações de quase-rap, estridentes vozes femininas guturais, guitarras entre John Lee Hooker, Ali Farka Touré e Hendrix, percussões ocultas de cabaças e darbukas, flautas, coros encantatórios. Literalmente, uma "trip" militante e alucinada pelo excesso de luz do Sahara.



Pruna, por outro lado, procura voluntariamente o contacto de idiomas musicais geográfica e culturalmente longínquos: o "gwerz" bretão e o mosaico de géneros romeno/balcânico/turcos da zona de Banat, na Roménia (a região europeia que conta o mais elevado número de minorias étnicas). Erik Marchand — veterano do canto tradicional bretão cuja discografia já inclui experiências idênticas com o Taraf de Caransèbes —, acompanhado por dezena e meia de músicos romenos, moldavos, sérvios, trácios e franceses, descobre o sentido último da configuração do puzzle (lançando até, às tantas, sobre a mesa, dois temas de... Carlos Paredes) e, por entre coreografias de puro virtuosismo, invocações poéticas e estonteantes nós-cegos de melodia, harmonia e ritmo, avista um outro ângulo daquela paisagem que é habitualmente cenário vivo dos delírios de Kusturica. (2004)

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