05 June 2007

DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (IV)



The Gentle Waves - The Green Fields Of Foreverland

Looper - Up A Tree

Pronto, já descobri. Levou tempo mas, finalmente, cheguei lá. Depois de muito reflectir acerca do que levaria tanta gente adulta e respeitável (?) a ajoelhar perante a música dos Belle & Sebastian, acabei por compreender. E a beleza da coisa é que o que me fez perceber tudo não foi voltar a escutar pela vigésima vez os álbuns deles (bom, sejamos honestos, também não os ouvi assim tanto, um homem não é de pau...) mas sim, numa linguagem de guerra, o contacto com os "danos colaterais" por eles produzidos. A saber, os projectos divergentes de Stuart David e Isobel Campbell, Looper e The Gentle Waves, cujos respectivos álbuns acabam de ser publicados. Pois bem, o busílis da questão que, daqui em diante, será designado como "efeito Enid Blyton", consiste no seguinte: eles (e os fãs deles) já são crescidinhos — sim, os fedelhos não lhes ligam peva — mas imaginam-se todos a viver eternamente no interior de uma aventura dos Famosos Cinco, a comer scones com compota que a tia lhes meteu na cestinha e a brincar com o velho cão, em busca de mais uma aventura inocente e, oh! tão excitante. Isto, claro, quando estão naquilo a que eles deverão chamar a sua "fase das drogas duras". Porque, no resto, são tudo prados verdejantes, vacas a pastar, ribeiros chilreantes e toutinegras nas árvores. O que se costuma designar como (e aqui estou a conter o vómito) "as delícias da vida no campo".
Como se suspeitaria, The Green Fields Of Foreverland (estão a ver, logo no título, o espírito da coisa?) é dedicado à "vovó Gallacher" e (parece que sou bruxo) "ao velho e muito amado cão". Não sei se a avózinha achará graça à companhia mas depois, tudo segue bucolicamente por aí fora naquela estética Laura Ashley muito florida e "naïve", cheia de "luas prateadas" e "lugares encantados", inanidades de adultos que nunca cresceram o que, convenhamos, é das coisas mais patéticas que existem. A música, não percamos demasiado tempo com ela, é perfeitamente a condizer, algures entre a Sœur Sourire e o Donovan hippie-betinho.
Os Looper também não andam muito longe daí (todo o enredo se centra numa paixão platónica entre um moço tímido e uma donzela idem, idem, que só se comunicam por carta — atenção, por carta, escrita à máquina, nada de e-mails, que aqui não são de modernices) mas, apesar de tudo, têm aquilo a que, se estivermos generosos e de bom humôr, se poderia chamar "uma ideia". É realmente só uma mas, nos tempos que correm já não é nada mau. E "a ideia", sinteticamente, é: o que fariam os Young Marble Giants se tivessem vivido na idade do trip hop? Eu acho que eles teriam feito algo um bocadinho melhor do que isto mas, atendendo às circunstâncias e aos protagonistas, já é melhor do que nada. Embora, como toda a gente sabe, melhor do que nada não seja coisa que se apresente. E, lá vamos nós outra vez, repararam no título, a casinha na árvore, as borboletas implícitas e o resto?
O que mais incomoda nem sequer é isso. É que, aqui pelo meio, há uma leitura transviada do terceiro álbum dos Velvet Underground. De onde só ficou "a ingenuidade" (e quanto não teríamos a dizer sobre "a ingenuidade", mas não temos tempo) e a perversão foi pelo cano abaixo. E a perversãozinha é, de facto, o que interessa. Ou não é? (1999)

2 comments:

Anonymous said...

"naquela estética Laura Ashley muito florida e "naïve", cheia de "luas prateadas" e "lugares encantados"

Eu, que vivo no campo, posso desconfirmar essa visão bucólica! A realidade está muito mais próxima deste vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=gVH5UL2gMzs

João Lisboa said...

Manuel, estamos em pleno e glorioso império do estereótipo...

Vou ver o clip.