O MAGNÍFICO ABSURDO
Pentangle - The Time Has Come: 1967 - 1973
Aquando da primeira tournée dos Pentangle pelos EUA, em 1968, ao chegarem ao lendário Fillmore East, os técnicos da casa interrogaram Bobby Cadman – o “roadie” da banda – acerca de que tipo de luzes preferiam que fossem utilizadas. Não fazendo a menor ideia do que responder, Cadman reflectiu um pouco e decidiu-se por “Parece-me que ficava bem uma coisa assim tipo Mateus Rosé...”. A história poderia ser apenas anedótica mas caracteriza bem a dificuldade que sempre existiu quando se pretendeu classificar a música do grupo de Jaqui McShee, John Renbourn, Bert Jansch, Danny Thompson e Terry Cox.
E que, noutro episódio recordado por Renbourn, fica ainda mais explícita: obrigados, em plena época do hippismo florescente, a integrar os diversos circuitos de festivais e concertos mais ou menos “underground” desses anos, com um reportório predominantemente acústico ensanduichado entre pesos-ultra-pesados como os Canned Heat ou Rhinoceros, havia, frequentemente que resolver situações de contiguidade complexas. A mais arriscada terá sido actuar a seguir aos Spirit: “O baterista, Ed Cassidy, vestindo correntes e banhado em ‘strobe lights’, costumava terminar o concerto com um gigantesco solo de bateria em que utilizava tambores militares em ambos os lados do palco. Era uma coisa impressionante. A canção com que nós abríamos era ‘No More My Lord’, com uma muito discreta introdução da bateria do Terry. O contraste não podia ser mais absurdo. Mas a nossa banda foi sempre um imenso contraste absurdo”.
Ou, muito mais exactamente, um magnífico contraste (só aparentemente) absurdo: dois prodigiosos guitarristas – John e Bert – educados na tradição folk/blues/jazz mas avidamente interessados pela música medieval e do Renascimento e nada relutantes em dedicar-se à execução do sitar indiano; uma cantora – Jaqui – de voz luminosa treinada no cancioneiro folk mas que, mal pôs o pé em Nova Iorque, correu para ouvir Bill Evans, Miles Davis e a big-band de Thad Jones e Mel Lewis, no “Village Vanguard” e no “Barron”, de Harlem; e uma virtuosíssima secção rítmica de contrabaixo e bateria – Danny e Terry – com a flexibilidade jazz/blues adquirida ao lado de Alexis Korner nos Blues Incorporated (onde Thompson substituiu Jack Bruce quando este saiu para formar os Cream, com Eric Clapton e Ginger Baker) ou de Tubby Hayes, Ronnie Scott, Stan Tracey, Little Walter, John Mc Laughlin, Josh White, Joe Williams, Art Farmer, Freddie Hubbard, Sonny Terry, Brownie McGhee e John Lee Hooker.
Reunidos quase acidentalmente nas “jam sessions” que aconteciam, em 1967, no pub do Horseshoe Hotel de Tottenham Court Road (onde apareciam também Sandy Denny, Davy Graham ou Anne Briggs), entre esse ano e 1973 – não contabilizando agora os diversos reencontros posteriores, com diversas e flutuantes formações –, devemos-lhes uma preciosa discografia em seis volumes (The Pentangle, 1968, Sweet Child, 1968, Basket Of Light, 1969, Cruel Sister, 1970, Reflection, 1971, e Solomon’s Seal, 1972) que, hoje, é ritualmente venerada pela tribo “psych/free/freak/folk” (o que mestre-Jansch retribuiu, convidando Devendra Banhart e elementos dos Espers e Vetiver para o seu muito bom mas irregular The Black Swan, do final do ano passado) e que, agora, podemos deslumbradamente revisitar nesta sumptuosa caixa de 4 CD.
Por uma vez, todas as “takes” alternativas, lados-B, raridades, gravações de rádio e ao vivo e exumados temas de filmes não só fazem inteiramente sentido, como contribuem para que seja possível apercebermo-nos do amplíssimo espectro estilístico da música (dos brocados folk e do reportório original às transfigurações de Charlie Mingus, Phil Spector e Bach, às incursões John Barry/Bernard Herrmann ou às “jams” gratefuldeadianas) da única banda britânica que, no terreno do que – na ausência de melhor designação e para grande desgosto dos próprios Pentangle – teremos ainda de chamar folk-rock, terá ousado fazer alguma sombra aos Fairport Convention. (2007)
23 May 2007
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1 comment:
Sim, talvez a “designação” folk-rock sirva melhor aos Fairport Convention. Ou então tentemos antes assim: os Fairport Convention classificar-se-iam (se fôssemos obrigados com uma pistola “presa” a uma das têmporas) mais facilmente do que os Pentangle.
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