26 May 2007

DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (I)



Belle And Sebastian - Tigermilk

O desaparecimento dos Smiths deixou tragicamente orfã aquela importante faixa de almas terminalmente sensíveis constituida por adolescentes, pós-adolescentes e adultos vítimas de uma adolescência retardada, capazes de, perante o mais banal pôr do sol, começarem automaticamente a escrever péssima poesia. Foi expressamente para eles e para preencher esse angustiante vazio que surgiram os Belle And Sebastian cujo primeiro álbum, Tigermilk (de 1996) — a pedido de várias jovens famílias suburbanas que acreditam que a crueldade do mundo pode ser redimida pela transcendência da arte —, foi agora reeditado. Quase não é preciso ir além da capa: uma menina, de tronco nu e relógio no pulso (reparem no subtilíssimo cruzamento dos sinais de paradisíaca inocência e modernidade escravizada pelo tempo), amamenta ternamente um tigre de peluche.
Ao espírito, ocorrem inevitavelmente - estamos no domínio do lugar comum, não é verdade? - as palavras candura, sensibilidade, fragilidade, ingenuidade e oh, so cute!. É exactamente assim, oh, so cute!, a música dos B&S, neste disco e nos que se seguiram dos quais, neste momento, por acaso, não me recordo dos nomes. Oh, so cute! mas, atenção, carregada de grande intensidade dramática.



Eles contam histórias pungentes de rapazinhos que acham apropriado escolher o dia do casamento da irmã para revelar à família que são gays e apresentar o namorado marinheiro, humaníssimos casos de mocinhas como a Lisa "who knows a girl who's been abused, it changed her philosophy in 82" ou da outra, anónima, que, coitadita, trabalha na secção de lingerie do Debenham's mas sonha ser artista. São coisas graves com que não se brinca e os Belle And Sebastian levam-se mesmo a sério. Para compensar, a música mergulha um bocadinho na estética água-de-rosas/chá-de-tília o que só lhe fica bem e alivia um pouco a tonalidade depressiva.



Algures lá pelo meio, há uma passagem ("Your obsessions get you known throughout the school for being strange, making lifesize models of the Velvet Underground in clay") que, se não estou muito enganado, seria suficiente para que Lou Reed e John Cale sentissem um irreprimível desejozinho de os estrangular mas, em última análise, há que dar o devido desconto pela tocante sinceridade com que, em "My Wandering Days Are Over", eles perguntam "You know my wandering days are over, does that mean that I'm getting boring?". Eu não queria ser antipático mas, francamente, já que perguntam, parece-me que sim... (1999)

3 comments:

menina alice said...

Que delícia! >:]

João Lisboa said...

Stay tuned.

Vítor said...

Excelente, João.

Um abraço,
V. N. Fernandes