30 March 2007

Magazine - (Where The Power Is) e Maybe It's Right To Be Nervous Now

O punk ainda não tinha esgotado o primeiro stock de munições e os Clash nem sequer haviam publicado o primeiro disco. Mas, em Fevereiro de 1977, para Howard Devoto, a insurreição já tinha perdido todo o interesse. Declarando publicamente "a causa" como pouco mais do que "a clean old hat", abandonou os Buzzcocks que fundara com Pete Shelley e iniciou um novo percurso a bordo dos Magazine. Reescutada, hoje, a obra do grupo nestas duas reedições (um "best of" simples e um precioso triplo CD de raridades, lados B e gravações de rádio), percebe-se facilmente porquê: o primarismo da atitude musical punk (que teve nos Sex Pistols o departamento de agit-prop, nos Gang Of Four o comité de produção ideológica e nos Clash o destacamento de guerrilha), embora tacticamente eficaz, situava-se muito aquém do dramatismo e da teatralidade sonora que Devoto, narcisicamente, ambicionava protagonizar e que só uma banda com as características dos Magazine poderia levar a cabo.

Por outras palavras, Howard Devoto, estudante de filosofia, amante de Camus e Dostoievsky, criador de gélidos instantâneos musicais de recorte absurdamente kafkiano e genuino antecedente da claustrofobia existencial que, anos depois, os Joy Division conduziriam às suas últimas consequências, era muito menos um punk "at heart" (e, actualmente, é fácil entender não só como punks "at heart" houve realmente muito poucos mas também quão fácil e rápida seria a recuperação comercial do punk...) do que um individualista radical que apenas aceitou partilhar o comboio do punk durante os breves instantes em que isso coincidiu com a sua trajectória pessoal de arrasamento do fétido panorama musical da época. E, quando anunciou "Detesto a maioria da música da 'new wave'. Não gosto de música. Não gosto de movimentos. Apesar disso, há coisas que têm de ser ditas. Mas não acredito na intenção dos Buzzcocks de abandonar o território árido da 'new waveness' por troca com outro lugar onde essas coisas possam ser ditas. O que já foi fresco, agora está velho e decrépito", ficava claro que o que viria a seguir seria, acima de tudo, um teatro de purga individual de demónios e obsessões e nunca uma acção revolucionária colectivamente concertada.



Entre 1978 e 1981, em quatro álbuns de estúdio — Real Life, Secondhand Daylight, The Correct Use Of Soap e Magic, Murder And The Weather —, Devoto concretizaria a sua visão de uma música que vibrava de acordo com a pulsação do "rhythm of cruelty", ironicamente reflectia alguma da iridescência do período "glam" e, como se lê nas "liner notes" de Michael Bracewell para (Where The Power Is), "permanece uma das grandes anatomias da ansiedade".



Com um núcleo constituido por Devoto, Dave Formula, John McGeoch, John Doyle e Barry Adamson (a quem se deverão as qualidades de tensão teatral e cinemática que os teclados de Dave Formula e a guitarra de John McGeoch perfeitamente materializavam), a música dos Magazine era nevrótica, simultaneamente clássica e extremista, e criadora daquele tipo de cenários-limite onde os textos (de que "Permafrost" — "As the day stops dead at the place where we're lost, I will drug you and fuck you on the permafrost" — constitui o melhor exemplo) ecoavam como maldições, premonições de atrocidades e, de um modo geral, ameaçadoras atracções perversas de um circo de entropia emocional onde, como recordava Linder Sterling (responsável pela capa de Real Life e pelas destas duas compilações), em "The Light Pours Out Of Me", Devoto cometia "o último grande acto radical da arte do século XX: proclamar a própria divindade". (2000)

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