TAKE 1/TAKE 2
Fiona Apple - Extraordinary Machine
Eis o exemplo acabado de como há males que vêm por (muito) bem. Após o álbum de estreia, Tidal, de 1996, e When The Pawn... (acrescentar mais umas valentes dezenas de palavras para completar o título de disco mais longo da História), de 1999, Fiona Apple, "songwriter" precoce e sobredotada, envolveu-se durante seis anos numa daquelas proverbiais refregas épicas entre artista e editora em torno do direito de publicar uma obra em relação à qual o patronato não enxergava "potencial comercial". Inicialmente produzido e orquestrado por Jon Brion (autor das bandas sonoras de Magnolia, Punch-Drunk Love ou Eternal Sunshine Of The Spotless Mind e também colaborador de Aimee Mann, Kanye West, Brad Mehldau e da própria Apple, em When The Pawn...), terá sido a "excessiva complexidade" dos seus arranjos que gerou anticorpos nos executivos da Sony e, veio a descobrir-se posteriormente... em Fiona Apple, a qual não terá ficado exuberantemente feliz com o que lhe pareceu "Brion em demasia" nas suas canções. O núcleo mais ardorosamente militante dos fãs, porém, preferiu sempre acreditar exclusivamente na tese do "sequestro" do álbum e, para além de bombardear Andrew Lack, o presidente da Sony, com petições e campanhas online (no site www.freefiona.com), tratou de irrigar o sistema circulatório da net com os ficheiros da primeira "take" de Extraordinary Machine. Entretanto, a responsabilidade da produção passara já para as mãos de Mike Elizondo (com currículo ao lado de Eminem, Dr Dre e 50 Cent) a quem se ficaria, enfim, a dever a arte final da versão "oficial" editada no ano passado nos EUA e, em 2006, na Europa.
O efeito secundário da querela não podia ser mais positivo: dispomos, então, de dois novos álbuns de Fiona Apple e ambos óptimos! Se a primeira (e enganadora) impressão é a de que a versão-Elizondo poderia muito bem ter sido uma maquete inicial daquilo que Jon Brion viria a completar — o conceito sonoro geral é, realmente, bastante mais despojado e "esquemático" —, a verdade é que, cada uma à sua maneira, escolheu reforçar ou atenuar aspectos diferentes dos temas de Fiona Apple e, por aí mesmo, desvendar claramente a infinidade de possibilidades e sentidos de interpretação que eles contêm. Pode preferir-se a tensão orquestral johnbarryana de Brion à fria dissociação emocional quase psicótica de Elizondo em "Red, Red, Red" ou achar que este identificou mais nitidamente o "G-spot" de "Get Him Back" do que Jon Brion. É natural que se hesite entre a infernal charanga clownesca de honky-tonk weilliano do anterior "Used To Love Him" e a música mecânica para casino de colónia lunar do (agora) rebaptizado "Tymps (The Sick In The Head Song)" e não ter dúvidas que a sumptuosa arquitectura de cordas do primeiro "Oh Sailor" ou a swingante secção de metais/soul do definitivo "Better Version Of Me" são os cenários mais desejáveis para as palavras e melodias de Apple.
Ela mesma terá vacilado aqui e ali, razão pela qual o álbum se inicia e encerra com "Extraordinary Machine" e "Waltz" segundo Brion. Absolutamente seguro, no entanto, é que o veneno e desprezo que Fiona Apple generosa e democraticamente distribui por uma significativa amostra de representantes do menos belo sexo ("But wait till I get him back, he won't have a back to scratch, yeah, keep turning that chin, and you will see my face as I figure how to kill what I cannot catch" nem sequer é dos exemplos mais friamente implacáveis...) encontrou duas magníficas alternativas de expressão entre as quais não é fácil optar: no expositor da loja de discos ou num casulo da net, perto de si. (2006)
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