IT'S NOT
Lost In Space
Aimee Mann poderia não ter assinado nem mais uma canção, antes e depois das que escreveu para a banda sonora de Magnolia, de Paul Thomas Anderson, que, por certo, aí teria instantaneamente garantido o direito a figurar no livro de honra dos "songwriters" de excepção. Não somente pelo sumptuoso recorte clássico das suas composições magnificamente desesperadas como, principalmente, através do crucial papel que desempenhavam como motor e contraponto da narrativa de um filme que, também ele, é já marca de água na história do cinema contemporâneo.
Por acaso, antes, Aimee Mann já tinha história passada à altura e, depois, em 2000, com Bachelor nº2 - Or The Last Remains Of The Dodo , não fez senão confirmar a ideia de que, na ilustre linhagem musical de Bacaharach, Lennon & McCartney, XTC ou Elvis Costello, não haverá, hoje, muitos a fazer-lhe sombra. A verdade é que, algures pelo meio de Lost In Space, "Real Bad News" quase podia constituir o ponto de partida para o argumento de uma "sequel" de Magnolia que se empenhasse em enterrar a lâmina do punhal ainda mais fundo na ferida incurável que esse filme rasgou: "You might think that things will change but take my word, they won't, you paint a lovely picture but reality intrudes with a message for you, and it's real bad news".
É verdade, o mundo e a espécie humana nunca foram particularmente frequentáveis ("people are tricky, you can't afford to show anything risky, anything they don't know, the moment you try, well, kiss it goodbye", canta ela em "It's Not") e Aimee Mann anda por cá, como um belíssimo arcanjo anunciador da catástrofe iminente, para nos explicar que o mais saudável ainda é desistirmos de vez de qualquer réstia de optimismo e, se alguma coisa, por acaso, correr bem, só poderá ser uma boa surpresa.
Sim, porque nestas autênticas flores do mal que são as onze magníficas e venenosamente sedutoras canções de Lost In Space onde, subliminarmente, se pode ler o tema da dependência neurótica e dos comportamentos compulsivos (as drogas, o álcool, a putrefacta vidinha, a televisão — "it's all about drugs, it's all about shame") que Aimee, por altura de Bachelor nº2, previa como elo de ligação implícito do àlbum seguinte, o melhor ainda é seguir o conselho de Dante à entrada do último cículo do Inferno e abandonar todas as esperanças.
Aqui estão a borboleta e a chama ("the moth don't care if the flame is real cause moth and flame got a sweetheart deal"), o "hate the sinner but love the sin, let me be your heroin" de "High On Sunday 51", as "perfect drugs" e os "superheros" de "Humpty Dumpty", a esquizofrenia ("say you were split, split in fragments and none of the pieces would talk to you"), os desgraçados automatismos humanos, demasiado humanos, de "Pavlov's Bell" e a ideia de que "this big ball of sad isn't even worth filling with air".
A "big ball" poderá ser o cérebro ou o planeta mas, que importa isso? No fim, por entre as ilustrações do "booklet" em registo Edward Hopper-BD ainda mais desamparado, só resta o destroço de um sonho: "So baby, kiss me like a drug, like a respirator, and let me fall with the dream of the astronaut where I get lost in space that goes on forever and you make all the rest seem like an afterthought and I believe it's you who could make it better, though it's not, no, it's not". (2002)
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