11 January 2010

DEFINITIVAMENTE SEM LUVAS



Vampire Weekend - Contra

Desde o início da década de 80, momento de erupção do pós-punk, do mítico “eixo-Liverpool/Manchester” (Joy Division, Echo & The Bunnymen, The Teardrop Explodes, Smiths) e do experimentalismo “industrial” de Sheffield (Cabaret Voltaire, Clock DVA, The Human League), que não emergia nada com a semelhança de uma “scene”, incluindo o melhor que, quando autênticas, elas possuem: energia, diversidade, espírito de aventura e pouca vontade de se resignar aos padrões de criação e consumo dos "mainstreams" das várias épocas. O grunge de Seattle, o frenesim dançante de Madchester, a saturnidade de Bristol poderão ter tido, na origem, um código genético fértil mas demasiado rapidamente, de vítimas/cúmplices do hype, se converteram em marcas registadas, facilmente esterilizadas e normalizadas pelas cadeias de montagem da indústria discográfica. Não espanta, assim, que, quando os primeiros rumores acerca do surgimento de uma “Brooklyn scene” começaram a fazer cócegas nos ouvidos, a atitude sensata fosse ficar de pé atrás: outra???!!!...



Pois bem, dois anos e tal após os zunzuns, pode confirmar-se: sim, ela existe, é musicalmente rica como poucas, o espírito de rebanho parece encontrar-se higienicamente ausente e, realmente de comum – para além da localização geográfica no "borough" mais populoso de Nova Iorque – a músicos e bandas como St Vincent, Yeasayer, Animal Collective, Au Revoir Simone, Sufjan Stevens, Joan Wasser, My Brightest Diamond, Grizzly Bear, Dirty Projectors, The National ou High Places, apenas há o desejo de individualidade criativa sem mimetismos tribais. Ah!... e não esqueçamos os Vampire Weekend, com os National, talvez os casos de maior relevo de uma cena indie que – outra diferença – não se acanha excessivamente com a ideia de poder ser popular. E de ostentar currículos académicos. E de (ao contrário dos Strokes que levavam a mal o facto de serem encarados como punks betos) lhes carimbarem na testa o selo de – falo dos Vampire – "Columbia-rich-kid-afro-indie-pioneers". Eles são, sem dúvida, tudo isso e é para o lado que dormem melhor.



Em Janeiro de 2008, Vampire Weekend despia o último par de cerimoniosas luvas com que a pop – de Paul Simon a Peter Gabriel ou mesmo David Byrne – sempre manuseara a coisa “étnica”, dita "world music": uma serpentina de guitarras da Orchestra Baobab é tão respeitável quanto a hiperactividade dos Feelies, o "soukous" congolês não é incompatível com literatas ironias sobre intimidades chiques do Upper West Side e uma sequência de arpejos mozartianos não tem que se sentir incomodada por se descobrir reclinada sobre uma rede rítmica de "highlife". O álbum de estreia da banda de Ezra Koenig, Chris Tomson, Chris Baio e Rostam Batmanglij era impuríssima matéria-pop em permanente celebração da inteligência, da "nonchalance" sofisticada e da urgência de inventar música, e adubou o terreno para que, mal surgiram, em Setembro passado, os primeiros indícios de que o segundo tomo estava para breve, meia Internet tenha uivado apelos a que, nas habituais esquinas mal frequentadas, algum dealer mais expedito permitisse que se espreitasse o tesouro. Uma semana antes da data oficial de publicação, porém, os próprios Vampire o colocaram, integralmente, em "streaming" na sua página do MySpace. Diga-se, então, que Contra refina esplendorosamente os sabores e aromas da investida inicial, em dois ou três instantes ("White Sky", "Diplomat’s Son", "I Think Ur A Contra"), viaja umas boas léguas adiante do que Paul Simon sonhou em Graceland e, na trovoada percussiva aspirada por túneis digitais de "Giving Up The Gun", deixa-o mesmo a perder de vista. Só isso já seria óptimo. Mas há ainda que reparar nos delirantes zigzags da arquitectura sonora, nas alusões barrocas, nos subtilíssimos reichianismos, nos divertimentos electro que Rostam carreou de Discovery ou na adrenalina ska-punk que borbulha, aqui e ali. Haveria melhor forma de inaugurar 2010?

(2019)

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