18 October 2024

(sequência daqui) JL - Por outro lado, a história trágica de Amelia Earhart, contém uma série de elementos quintessencialmente americanos, não é verdade?

 
     LA - Absolutamente! Ela era apaixonada pela velocidade e pela tecnologia. A ideia de poder estar a falar com as mulheres americanas motivava-a também muito. E casou com o assessor de imprensa: em cada pausa da viagem, falava com jornalistas contava-lhes detalhes, telefonava, enviava telegramas, escrevia o diário de bordo. Deixou um enorme registo da viagem! Mas tudo isto é o que nós fazemos: tecnologia, velocidade e guerra. Vendemos armas ao mundo. A II Guerra Mundial realmente acabou? Olhamos à volta - Israel, Rússia, Ucrânia - e pensamos que, provavelmente, durante algum tempo terá arrefecido um bocadinho mas agora parece estar a aquecer outra vez. (segue)

17 October 2024

Portanto, ainda que só temporariamente, a seita neo-facha (e tudo o que, entretanto, fez e disse) não existe?

14 October 2024

A "auto-ajuda" psicocoisa 

(via OMQ)

Andreas Gundlach - Semiconductor’s Masterpiece


(sequência daqui) JL - Trabalhar com uma orquestra transformou de alguma forma o seu modo habitual de encarar a música, o spoken word e a relação entre ambos? A fronteira entre a fala e o canto manteve-se mas, aqui, permitindo que, como nunca antes, este fosse invadido pela orquestra...
 

    LA - Trabalhar com orquestras é fascinante porque damos connosco a ter de lidar com aquele imenso corpo sonoro orgânico. É como uma espécie de paisagem. Se lhe acrescentarmos a dimensão tecnológica, abre-se um universo de possibilidades ainda maior: tanto permite concentrar-nos em detalhes ínfimos como alargar o ângulo sobre vastos espaços abertos. Além disso, também cometemos algumas heresias como, por exemplo, gravar baixo e bateria em último lugar, ao contrário do que é habitual. Usei a história de Amelia Earhart como estrutura narrativa, incorporando simultaneamente referências ao voo, ao desaparecimento e à comunicação.

    JL - Amelia reflecte, mais uma vez, o seu interesse na combinação de elementos pessoais, históricos e míticos na criação de peças totalmente contemporâneas mas de modo algum prisioneiras do seu tempo...  

  
     LA - A Amelia Earhart é, simultaneamente, uma heroína e um mito. Uma figura de exploradora corajosa que pretendeu romper limites mas que, ao mesmo tempo, se deixou capturar no espaço entre o sucesso e a extinção. Há qualquer coisa de muito perturbador nas últimas transmissões de rádio dela (um motivo que pontua todo o álbum), enviadas para o vazio, fragmentos de som que ficaram perdidos no ar, à deriva na vastidão. A voz dela estava lá mas inatingível. E falava-nos do medo de se sentir irremediavelmente perdida, de, pela quebra de comunicação, desaparecer sem deixar rasto. (segue para aqui)

10 October 2024

... e ora aqui vem mais um!
Aztec Camera - "Pillar To Post"

(inspirado aqui)

(sequência daqui) Laurie Anderson - É curioso porque, durante todo o processo de composição, nunca tive consciência dessa relação. E, de facto, ambas têm como desfecho um desastre. Não faço a menor ideia de por que motivo isso aconteceu. 

    João Lisboa - Amelia teve um longo percurso até atingir esta forma final... 

    LA - Amelia deu os primeiros passos em 2000. Foi uma encomenda. O Dennis Russel Davies - actual maestro da Filarmónica de Brno, na República Checa - veio ter comigo, disse-me que iria apresentar no Carnegie Hall um espectáculo cujo tema era o voo e no qual seriam apresentadas peças de Philip Glass, Kurt Weill, e Samuel Barber. E perguntou-me se não me apeteceria escrever também alguma coisa, se me sentia capaz de escrever uma obra orquestral. Não fazia a menor ideia de como o fazer. Não me pergunte porquê mas prefiro sempre sentir-me no lugar do principiante. Gosto de fazer coisas que não sei como fazer, se já sei fazê-las não me interessam tanto. Por isso, não me acobardei. E o resultado foi muito mau. Mesmo. No entanto, alguns anos depois, o Dennis veio ter outra vez comigo e disse-me que gostava muito das partes de cordas dessa primeira tentativa. Fomos, então, por aí e a recuperação nem resultou mal. O passo seguinte seria deixar de lado todo o resto. Por mim, o processo estava concluído. Mas, durante a pandemia, ele veio-me com a ideia de aproveitarmos esse tempo e gravarmos tudo. Na verdade, as três versões que foram sendo concretizadas têm entre si apenas uma relação familiar muito longínqua. E, uma vez que tenho em curso um outro projecto, Ark, precisava de concluir este com alguma rapidez. (segue para aqui)