MUSCULAÇÃO
Não é preciso recuar até ao comunismo radical da Irmandade do Livre Espírito medieval. Podemos começar por aquele improvável momento do século XVIII em que Thomas Jefferson, inspirado por John Locke, a 4 de Julho de 1776, na Declaração de Independência dos EUA, ao lado da “vida” e da “liberdade”, inscreveu a “busca da felicidade” como um dos três “direitos inalienáveis” de todos os homens. Quase 75 anos depois, na 11ª Tese sobre Feuerbach, Marx declararia que “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas formas, o que importa é transformá-lo" e, em 1873, nas páginas de Une Saison En Enfer, Rimbaud exigia “mudar a vida”. André Breton, em 1935, ensaiou a síntese (“Transformar o mundo e mudar a vida: para nós, estas duas palavras de ordem são apenas uma”) e, duas décadas mais tarde, os radicais livres de Isou, Debord e Vaneigem, enfim livres de todo o fetichismo do trabalho – “Ne travaillez jamais!”, proclamava Débord em 1952 –, não se contentavam com menos do que “Viver sem tempos mortos e gozar sem limites” porque “nada pode dispensar a vida de ser absolutamente apaixonante”.
Desde então, foram muitos os espectros que assombraram a Europa (e o mundo), todos, porém, concentrados na ideia de que a existência humana é demasiado curta para nos satisfazermos em ser apenas peças no tabuleiro de um imenso jogo. Em 2000, os Hefner de Darren Hayman, militantemente politizados à custa de Billy Bragg, cantavam, eufóricos de antecipação, “We will laugh the day that Thatcher dies, even though we know it's not right, we will dance and sing all night”. Treze anos e mais de duas dezenas de álbuns e EP a solo após a separação do grupo, Hayman, em visita ao museu de William Morris – poeta, romancista, pioneiro do movimento Arts & Crafts e socialista britânico do final do século XIX – tropeçou num panfleto com poemas de Morris inspirados na condição operária e pareceu-lhe um óptimo pretexto para a criação de um disco de “canções para situações de emergência” como, não restam grandes dúvidas, são as que, hoje vivemos. O banho ideológico é, naturalmente, obreirista e pré-Situacionista, mas o exercício de musculação política de Chants For Socialists, em registo Pavement "meets" Richard Thompson "meets" Big Star é francamente recomendável.
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