07 July 2013

O SILÊNCIO NÃO EXISTE, OUVIRAM? 


John Cage terá escrito e feito tudo o que lhe era possível para nos explicar que “there is no such thing as silence” (demonstrando-o até praticamente em 4’33”). Mas, mais de meio século depois, isso continua a não impedir que – directa ou indirectamente influenciados por problemáticas digestões "new age" (e afins) de orientalismos avulsos – os apelos ao silêncio como suposta via de acesso a duvidosas entidades como “o eu interior” ou “a verdadeira realidade” se repitam. As britânicas (mais gaulesa incluída) Savages elevaram mesmo a atitude ao nível do manifesto, imprimindo na capa do seu álbum de estreia um apelo em que, equivocadamente, proclamam que “o mundo costumava ser silencioso, agora contém demasiadas vozes e o ruído é uma distracção constante que multiplica, intensifica e desvia a nossa atenção do que é conveniente, e do que fala de nós próprios”, concluindo com a sugestão de que “se o mundo se calasse, mesmo que só por um instante, talvez pudéssemos começar a escutar o ritmo distante de uma jovem melodia rebelde”. Naturalmente, a primeira faixa intitula-se "Shut Up", mas, ainda que estivéssemos dispostos a levar a sério a pregação, rapidamente desistiríamos ao descobrir que a “jovem melodia rebelde” é uma quase quarentona com os traços de personalidade de Ian Curtis e a voz de Siouxsie Sioux.



Entretanto, em Lisboa, no passado dia 21 de Junho, teve lugar um concerto, aparente filho natural de Cage: Lisboa Em Si, concebido por Pedro Castanheira em torno do número 7 (7 colinas, 7 minutos de duração do terramoto de 1755 e do próprio concerto), propunha-se gerar uma “’epifonia’, uma epifania de som”, através da articulação das sonoridades de apitos de embarcações, viaturas de bombeiros, comboios, sinos de igrejas e campainhas de eléctricos, produzidas ao vivo e convidando-nos a estar presentes em 7 pontos de escuta, com o centro de operações no Terreiro do Paço. Se a concretização ficou seriamente aquém da potencial “utopia sonora” – à beira Tejo, pouco mais se ouviu do que distantes sirenes de barcos e de um carro de bombeiros –, a raiz do projecto estava já ela infectada por uma “traição” a Cage: segundo Castanheira, “O grande desafio é calar a cidade. Os carros, os bailaricos. Pedimos às pessoas que com o seu silêncio sejam parte activa na partitura. Porque normalmente estão a fazer barulho. E se estiverem em silêncio durante sete minutos é como se estivessem a tocar, naquele momento estão a tocar pausas”. John Cage pensava de modo diferente: “Não existe tal coisa como um espaço vazio ou um tempo vazio. Há sempre algo para ver, alguma coisa para ouvir. Na verdade, por mais que tentemos fazer silêncio, não conseguimos. Estejamos onde estivermos, o que ouvimos é, essencialmente ruído. Quando o ignoramos, perturba-nos. Se o escutarmos, achamo-lo fascinante”. A verdade é que o autêntico concerto dos sons urbanos de Lisboa só ocorreu quando as muitas pessoas que se tinham deslocado à Praça do Comércio a começaram a abandonar e, numa Rua do Ouro engarrafada, um coral de buzinas de automóveis tomou conta do lugar. Está lá, todos os dias, pronto para ser desfrutado.

3 comments:

Anonymous said...

Mas existe o silêncio do escritor António Lobo Antunes:

http://www.youtube.com/watch?v=BdZrgYLZzpI

João Lisboa said...

:-)))))))

Ana Cristina Leonardo said...

E eu que gosto do Lobo Antunes, estou aqui a rir-me :))))