O "western", dos Ford, Huston, Peckinpah, Wellman, Mann e Ray, celebração audiovisual da mítica fronteira selvagem, é o género cinematográfico indiscutível e quintessencialmente norte-americano. De certeza? Experimentem, nesse caso, dar uma vista de olhos à lista dos "westerns" mais votados pelos utilizadores do IMDb (Internet Movie Database): em 1º e 2º lugares, O Bom, o Mau e o Vilão (1966) e Aconteceu no Oeste (1968), ambos de Sergio Leone, bem como, em 6º, Por Mais Alguns Dólares (1965), e Por Um Punhado de Dólares (1964), em 14º. O primeiro “clássico” genuinamente americano – O Comboio Apitou Três Vezes, de Fred Zinnemann (1952) – surge apenas no 8º lugar mas, antes dele, em 3º, está já confortavelmente alojado Django Libertado, de Quentin Tarantino.
Aconteceu no Oeste
Não é, certamente, através deste género de “votações” que se poderá aferir o valor absoluto de cada obra mas o que delas resulta evidente é o facto de, para uma considerável parcela do público contemporâneo (na qual muitos norte-americanos, naturalmente, se incluirão), a memória do que foi o "western" corresponder, hoje, afinal, à transfiguração europeia/mediterrânica que, entre diversos outros, Leone/Morricone lhe provocaram. E não é, de todo, abusivo incluir Ennio Morricone na equação: aquilo que ficaria conhecido como "western spaghetti" deve a sua identidade de italianíssimo excesso operático e, por vezes, quase ibericamente tauromáquico, pelo menos, tanto à música como aos restantes componentes da matéria cinematográfica.
Kill Bill Vol. 1
Até porque – falemos, então, dele –, se, à primeira vista, Django Libertado se apresenta como o momento em que Tarantino se decide, por fim, a homenagear explicitamente o "western" através da sua declinação "spaghetti", na verdade, já antes, justamente por via da banda sonora, ele o havia feito: em Kill Bill Vol. 1, a atmosfera sonora do combate final, na neve, entre a Noiva e O-Ren Ishii, ecoava a sequência de abertura de Aconteceu no Oeste e, nesse e no Vol. 2, a profusão de citações de Luis Bacalov, Riz Ortolani e nada menos do que sete de Morricone (aliás, menos uma do que em Inglourious Basterds – filme para o qual Tarantino desejou a colaboração de Morricone que não veio a acontecer – e mais cinco do que em Death Proof) não autorizavam dúvidas acerca de onde residia uma das suas mais poderosas fontes de inspiração.
Django - real. Sergio Corbucci (1966)
Uma outra, num filme onde não há “escurinhos” mas, com todas as letras, “pretos”/”niggers” (usando os óculos escuros de Charles Bronson em The White Buffalo e ataviados como o Blue Boy de Thomas Gainsborough ou a Ida Galli de Blood For A Silver Dollar), data já do tempo de Jackie Brown, quando Tarantino não considerava despropositado afirmar-se que mantinha com Samuel L. Jackson uma relação artística idêntica à estabelecida entre Norman Whitfield e Marvin Gaye (Jackson ter-lhe-á mesmo dito acerca dos diálogos que, para ele, escrevia “Quentin, ninguém escreve melhores músicas do que tu...”), e acerca do uso repetido da "n-word" fazia questão de explicar que, no cinema, a música não se encontra apenas onde é habitual ouvi-la: "Adoro a dança da linguagem, fazer swingar as palavras. E, neste filme, dança-se até perder o fôlego com a palavra 'nigger'".
3 comments:
"Adoro a dança da linguagem"
Damn good, oh so damn good, so so so.
Caro João Lisboa
Permita-me que lhe pergunte: acabaram as recensões críticas aos discos ?
E já agora,estes textos merecem uma label “a desarmonia das esferas”, não concorda?
"acabaram as recensões críticas aos discos?"
No formato anterior, sim. Agora, caberá tudo na "Desarmonia das Esferas".
"estes textos merecem uma label “a desarmonia das esferas”"
Não me parece. Isso é uma coisa específica dos formatos do jornal.
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