06 January 2009

MICRO



Os Mirones

O dia entra na noite. A noite entra no dia. E os relógios observam isto, excitados e silenciosos, como os velhos mirones atrás das dunas.

Amor Platónico

Para passar o tempo, Platão decidiu divertir-se à custa da sensibilidade de certos poetas. Pois bem, o que fez Platão? Inventou o amor platónico. Depois, aborrecido com a própria invenção, saiu de casa e foi às putas.



Maçã

Um homem decide plantar-se no meio dos campos, à espera de dar fruto.
Durante muito tempo nada acontece.
(Tempo durante o qual nada acontece)
Um dia, uma prodigiosa laranja irrompe de um dos lados da cabeça. O homem dá a laranja a comer a um crítico de laranjas. O crítico explica ao homem que aquele fruto não é uma laranja mas um pêssego e que, infelizmente, ele é alérgico a pêssegos. O homem repara então que a laranja, na verdade, não passa de um limão. E ele não gosta de limões. Decide acabar com aquilo. Desfaz em pedaços a maçã prodigiosa que tinha nascido da sua cabeça. E desta vez tudo se torna claro a seus olhos. E levantando a voz diz: "Então era isso!"

Jogo

Didius Kysarcius nunca tinha jogado na vida. Aos sessenta e tal anos, descobriu o prazer dos jogos verbais. As coisas começam muitas vezes assim. Tornou-se um jogador compulsivo. Em pouco tempo, esbanjou todos os seus recursos em apostas infelizes. Perdeu tudo. Morreu abraçado a um advérbio de modo. O último que lhe restava. (Rui Manuel Amaral, Caravana, ed. Angelus Novus)

(2009)

12 comments:

pennac said...

O Platão não era um grandecíssimo e alternadíssimo panasca?

João Lisboa said...

Não cheguei a conhecê-lo. De qualquer modo, seria mais correcto - a ser verdade - encará-lo como um filósofo que se enquadrava numa opção sexual alternativa.

Rui Manuel Amaral said...

Uma parte da piada, quanto a mim, está justamente aí. À partida, Platão teria ido, digamos, aos putos. Enfim, não passaria de uma evidência.

João Lisboa said...

Rui!... Muito prazer em recebê-lo por aqui. Puseram-me o seu livro nas mãos na terça-feira à hora do jantar e, pouco depois, havia sido já devorado. Não resisti a postar aqui aqueles quatro "micros". A vontade era fazer o mesmo com quase todos mas, naturalmente... contive-me.

Rui Manuel Amaral said...

O prazer é meu. Sou leitor do seu blogue. Este post é uma enorme honra para mim.

João Lisboa said...

Já agora, quem mo "pôs nas mãos" foi a Amélia Muge.

Honra mútua.

Livraria Poesia Incompleta said...
This comment has been removed by the author.
Livraria Poesia Incompleta said...

Fico feliz por dois tão tamanhos nomes (Amélia e João) se unirem à volta de Rui Manuel Amaral, um homem cuja líbido é sobejamente conhecida de Paços de Ferreira para cima.
Um abraço ao senhor, que é um Senhor, João Lisboa.
Changuito
PS: foi daqui que a Amélia levou o Caravana

João Lisboa said...

"dois tão tamanhos nomes (Amélia e João) se unirem à volta de Rui Manuel Amaral, um homem cuja líbido é sobejamente conhecida de Paços de Ferreira para cima"

A Amélia é casada, eu também (mas não um com o outro), isto aqui é uma casa séria, nada de "threesomes" nem de badalhoquices.

"foi daqui que a Amélia levou o Caravana"

Eu sei, ela disse-me.

João Lisboa said...

Ah... e fica desde já convidado a fazer uma "imitação de Laurinda Alves".

Livraria Poesia Incompleta said...

suponho que o preclaro e eminente senhor Lisboa esteja a falar da filha de João Alves, o célebre Luvas pretas do SLB...

João Lisboa said...

"fazemos mudanças, defenestrações e imitações de laurinda alves"