(sequência daqui) JL - Trabalhar com uma orquestra transformou de alguma forma o seu modo habitual de encarar a música, o spoken word e a relação entre ambos? A fronteira entre a fala e o canto manteve-se mas, aqui, permitindo que, como nunca antes, este fosse invadido pela orquestra...
LA - Trabalhar com orquestras é fascinante porque damos connosco a ter de lidar com aquele imenso corpo sonoro orgânico. É como uma espécie de paisagem. Se lhe acrescentarmos a dimensão tecnológica, abre-se um universo de possibilidades ainda maior: tanto permite concentrar-nos em detalhes ínfimos como alargar o ângulo sobre vastos espaços abertos. Além disso, também cometemos algumas heresias como, por exemplo, gravar baixo e bateria em último lugar, ao contrário do que é habitual. Usei a história de Amelia Earhart como estrutura narrativa, incorporando simultaneamente referências ao voo, ao desaparecimento e à comunicação.
JL - Amelia reflecte, mais uma vez, o seu interesse na combinação de elementos pessoais, históricos e míticos na criação de peças totalmente contemporâneas mas de modo algum prisioneiras do seu tempo...
LA - A Amelia Earhart é, simultaneamente, uma heroína e um mito. Uma figura de exploradora corajosa que pretendeu romper limites mas que, ao mesmo tempo, se deixou capturar no espaço entre o sucesso e a extinção. Há qualquer coisa de muito perturbador nas últimas transmissões de rádio dela (um motivo que pontua todo o álbum), enviadas para o vazio, fragmentos de som que ficaram perdidos no ar, à deriva na vastidão. A voz dela estava lá mas inatingível. E falava-nos do medo de se sentir irremediavelmente perdida, de, pela quebra de comunicação, desaparecer sem deixar rasto. (segue para aqui)
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